O que faz a Organização Mundial da Saúde?
Escrito por Mariana Jansen/Portal Politize!
Cooperação
internacional em questões relacionadas à saúde existe há muito tempo, mas esta
foi intensificada com o surgimento da Organização Mundial da Saúde, em 1948.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) é a agência da Organização das Nações Unidas
(ONU) especializada nas questões médicas e de saúde. É, atualmente, um dos
principais órgãos responsáveis pela definição da agenda internacional para
assuntos relacionados a esses temas.
Mais
próximo de seu surgimento, a agência tinha um papel mais limitado. Depois de um
tempo, chegou a ter o papel dominante nas questões de saúde no mundo. Hoje em
dia, divide o espaço com outras organizações que ganharam corpo e importância.
Neste
post, o Politize! explica como surgiu a OMS, como se desenvolveu e o que
representa hoje em dia para o Brasil e o mundo.
O surgimento da Organização Mundial da Saúde
Com o
desenvolvimento das sociedades e o advento de fenômenos como a urbanização e a
globalização, já pelo final do século XVIII, começam a existir questões de
saúde que demandam uma atenção a nível global. O mundo está desenvolvendo um
melhor entendimento em microrganismos e seu papel na geração de doenças e os
avanços na medicina acontecem a passos largos.
Desde o
período anterior à Primeira Guerra Mundial, surge um número de conferências e
organizações com o intuito de estabelecer cooperação internacional para tratar
de assuntos de saúde. Um exemplo é a Organização de Saúde que existia no âmbito
da Liga das Nações.
Na reunião
que deu início às Nações Unidas, no ano de 1945, havia já a intenção da criação
de uma organização de nível global para questões relacionadas à saúde,
semelhante à Organização de Saúde presente anteriormente na Liga das Nações. A
carta do que viria a ser a Organização Mundial da Saúde teve seu surgimento em
1946, quando foi assinada pelos 61 Estados Membros da Organização das Nações
Unidas. Em sete de abril de 1948 a carta entrou em vigor e a OMS foi
oficialmente criada. Neste dia é hoje celebrado o dia mundial da saúde.
A OMS tem
a função de aconselhar os países em questões de saúde e de encorajar a adoção
de medidas ou ações baseadas em seus estudos. A organização trabalha na
elaboração de estudos e estatísticas sobre a situação da saúde a níveis internacionais.
Os resultados destes estudos são divulgados em diversos documentos e relatórios
que podem ser facilmente acessados pelo seu site. Os relatórios da OMS costumam
ser construídos com uma análise extensa sobre um determinado tema seguida de recomendações
de políticas de saúde a serem implementadas por seus Estados Membros. Baseado
nestes resultados, a organização prepara o Regulamento Sanitário Internacional.
Regulamento Sanitário Internacional
Este
documento define os direitos e obrigações dos países relacionados à divulgação
de eventos de saúde pública. Dessa forma, a Organização Mundial da Saúde pode
ter um melhor controle sobre as questões de saúde que precisam de atenção no
mundo inteiro. Além disso, o regulamento estabelece os procedimentos que a OMS
deve seguir em seu trabalho para defender a saúde pública global.
De forma
a garantir que o RSI será corretamente implementado, a OMS trabalha para manter
os países informados sobre os riscos à saúde pública que existem. A organização
trabalha com parceiros para ajudar no desenvolvimento das capacidades de cada
Estado para detectar, relatar e responder a eventos de saúde pública. Dentre os
parceiros que ajudam na atuação da organização no Brasil encontramos a FIOCRUZ
e o Ministério da Saúde.
Oito anos
após a entrada em vigor do RSI, menos de um terço dos Estados Membros da OMS
atendem aos requisitos mínimos para as principais capacidades de implementação
do regulamento. Existem muitos fatores que afetam as políticas de saúde dentro
de um país que não fazem parte das questões diretamente trabalhadas pela
organização. Fatores como a economia dos países, seus recursos, corrupção,
educação, cultura e crenças, entre outros, acabam por ter um impacto grande nas
capacidades que os Estados têm de respeitar o RSI. Atualmente, a OMS não possui
um mecanismo para garantir o cumprimento de suas medidas recomendadas.
A estrutura da OMS
A
Organização Mundial da Saúde conta com o trabalho de 7000 pessoas de 150 países
diferentes. Entre eles podem ser encontrados médicos, pesquisadores,
especialistas em políticas de saúde pública e epidemias, estatísticos,
economistas e pessoal que lida com questões financeiras, administrativas e de
sistemas de comunicação. A organização possui escritórios em cada um destes 150
países, além de seis escritórios regionais e de sua sede em Genebra.
Como a
produção de conhecimento relacionado às questões de saúde é uma grande parte do
trabalho da organização, a OMS possui uma Divisão Científica (The Science
Division) que é responsável por desenvolver pesquisa de ponta na área, fazer
testes de controle de qualidade para as normas e padrões adotados pela
organização e desenvolver tecnologias digitais para auxiliar nos cuidados de
saúde. Este braço da organização também trabalha no desenvolvimento de
inovações, na implementação das mesmas e na construção da capacidade de
pesquisa dentro dos países.
A cada
ano, os Estados Membros da organização se encontram na Assembleia Mundial da
Saúde para discutir e aprovar resoluções. A OMS possui, atualmente, 194 Estados
Membros. Todos os países membros das Nações Unidas podem se tornar Estados
Membros da Organização Mundial da Saúde se aceitarem a sua carta, outros países
também podem ser admitidos se aprovado na Assembleia Mundial da Saúde.
Territórios não autônomos podem participar como Membros Associativos, e sua
inscrição compete ao Estado responsável pelas relações internacionais do
território em questão.
Também
fazem parte da OMS os Embaixadores da Boa Vontade, estes são celebridades que
utilizam de seu prestígio na sociedade para divulgar questões de saúde. Além
disso, a organização conta com a ajuda de mais de 800 centros de colaboração
espalhados em mais de 80 países. Centros de Colaboração são instituições
independentes designadas pelo Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde
para desenvolver atividades de apoio.
Os princípios da Organização Mundial da Saúde
Em sua
página internacional na internet, a Organização Mundial da Saúde diz estar
ainda hoje comprometida com os princípios definidos em sua carta de 1948. Estes
princípios são:
- A saúde
é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doença ou enfermidade.
- O gozo
do mais alto padrão de saúde possível é um dos direitos fundamentais de todo
ser humano, sem distinção de raça, religião, crença política, condição
econômica ou social.
- A saúde
de todos os povos é fundamental para alcançar a paz e a segurança e depende da
cooperação mais ampla de indivíduos e Estados.
- A
conquista de qualquer Estado na promoção e proteção da saúde é de valor para
todos.
- O
desenvolvimento desigual em diferentes países na promoção da saúde e controle
de doenças, especialmente doenças transmissíveis, é um perigo comum.
- O
desenvolvimento saudável da criança é de importância básica; a capacidade de
viver harmoniosamente em um ambiente total em mudança é essencial para esse
desenvolvimento.
- A
extensão a todos os povos dos benefícios do conhecimento médico, psicológico e
afins é essencial para a obtenção mais completa da saúde.
- A
opinião informada e a cooperação ativa por parte do público são da maior
importância para a melhoria da saúde das pessoas.
- Os
governos têm uma responsabilidade pela saúde de seus povos, que só pode ser
cumprida com o fornecimento de medidas sociais e de saúde adequadas.
Além dos
princípios citados acima, a organização atua baseada em valores também
descritos em seu site. Por ser uma agência da ONU, a OMS como um todo abraça os
valores desta: integridade, profissionalismo e respeito pela diversidade.
- Para a
força de trabalho da Organização Mundial da Saúde, são somados os valores
baseados nos princípios de direitos humanos, universalidade e igualidade
estabelecidos na carta da organização.
- Os
princípios e valores da organização foram operacionalizados em cinco
compromissos: o de serem dignos de confiança para servir a saúde pública a
qualquer momento, de manter seus profissionais comprometidos com a excelência
na saúde, serem pessoas íntegras, de estarem prontos para colaborar com colegas
e associados e de trabalhar com pessoas que cuidam de pessoas.
As fases de Low Politics e High Politics
É
possível fazer uma divisão da atuação da Organização Mundial da Saúde em duas
fases.
Primeira fase
A
primeira é definida pela sua atuação desde o seu surgimento até os anos de
1960. Nessa primeira fase, a atuação política da organização era mais
limitada. Suas ações eram dominadas por
questões técnicas e seu trabalho era focado em profissionais de medicina.
Portanto, nessa primeira fase, a OMS influenciava na saúde principalmente a um
nível micro, diretamente com os profissionais de saúde.
Ações
importantes da organização durante a primeira fase de sua atuação foram a
organização da classificação de doenças, a criação de sistemas de alerta contra
surtos de epidemias, aconselhamento na melhor maneira de fazer levantamentos
estatísticos, entre outras.
Um
sucesso importante da organização durante a primeira fase de sua atuação foi a
erradicação da varíola em 1978. A operação para vencer essa doença seguiu uma
abordagem vertical. Equipes apoiadas e guiadas pela OMS organizaram campanhas
em cada país, com programas fáceis de vacinação.
Ainda na
primeira fase de sua existência, a Organização Mundial da Saúde procurou
desenvolver ações contra outros problemas de saúde para as quais ainda não
obteve sucesso. A malária não foi derrotada e ainda é um grande problema,
especialmente em países da África subsaariana, onde ocorrem 90% das mortes
causadas pela doença. O Brasil também enfrenta a malária e, segundo uma
reportagem da BBC Brasil, o número de casos, que vinha diminuindo desde 2007,
dobrou de tamanho em 2017. Um dos motivos para o insucesso dos esforços contra
a doença é a inexistência de uma vacina eficaz, assim como existe para a
varíola.
Outra
questão que permanece sem solução é a da tuberculose, que é considerada, ainda
hoje, a doença infecciosa mais mortal do mundo. Apesar de existirem tratamentos
que podem curar o portador de tuberculose, estes muitas vezes não alcançam os
territórios mais pobres, onde a carga da doença é maior. Não existe,
atualmente, uma vacina que seja eficaz para a prevenção da tuberculose.
Segunda fase
A segunda
fase, implementada depois dos anos de 1970, chegou com maiores ambições para o
papel da organização de influenciar políticas de saúde a serem adotadas por
seus Estados Membros. A atuação da OMS nessa segunda fase começou a englobar
também o nível macro, levando a responsabilidade em lidar com questões de saúde
para os que formulam e implementam políticas públicas.
Ações
importantes da organização durante a segunda fase de sua atuação foram, além da
continuação do que já havia sido implementado na primeira fase, a definição de
como a saúde deve ser financiada, o que o setor de saúde pode exigir de outros
setores, o papel dos cuidados de saúde primários versus os secundários,
regulamentos internacionais de assistência médica, regulamentos internacionais
do comércio de medicamentos, monopolização de patentes, entre outros .
Declaração de Alma-Ata e a fase de high politics da OMS
A fase de
high politics da Organização Mundial da Saúde pode ser ligada à Declaração de
Alma-Ata, formulada durante a Conferência Internacional Sobre Cuidados
Primários de Saúde no ano de 1978. A declaração segue os princípios da OMS de
que saúde deve ser um estado de bem estar geral e não apenas a ausência de
doença e de que saúde é um direito humano fundamental.
A
Declaração de Alma-Ata trouxe a meta para os governos, as organizações
internacionais e toda a comunidade mundial de “que todos os povos do mundo, até
o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e
economicamente produtiva”. Para atingir tal meta, a Declaração coloca que os
cuidados primários de saúde seriam a chave.
Impacto da Declaração de Alma-Ata
Com a
adoção da Declaração de Alma-Ata ficou definido que para que os países fossem
capazes de atingir um nível de saúde aceitável para a sua população o acesso à
saúde deveria ser universal e o foco deveria estar nos cuidados primários de
saúde. A prioridade dos sistemas de saúde deveria ser então o da prevenção de
doenças.
A
Declaração influenciou muitos países, especialmente em relação à demanda por
investimentos intensificados em cuidados primários de saúde abrangentes.
Exemplos são a Noruega, que implementou a Lei Municipal de Assistência à Saúde
em 1984, tornando a atenção primária à saúde uma responsabilidade municipal. Além
de Moçambique, Cuba e Nicarágua, que expandiram sua cobertura de atenção
primária à saúde melhorando seus índices de saúde da população.
Críticas à Declaração de Alma-Ata
A
Declaração de Alma-Ata foi criticada por ser muito ampla e idealista e ter um
cronograma irreal. Uma crítica comum era que o slogan “Saúde para Todos em
2000” não era viável.
Juntamente
às críticas, foi apresentado um modelo de cuidados primários de saúde seletivos
como uma estratégia para a implementação dos cuidados primários de saúde. A
ideia deste novo modelo seria focar os esforços na luta contra os problemas
mais graves, acreditando que essa seria a maneira mais eficiente de melhorar a
saúde em países em desenvolvimento.
No lugar
de ter um foco no desenvolvimento de cuidados abrangentes e universais, como
estava proposto na Declaração de Alma-Ata, a nova estratégia de cuidados
seletivos concentrou-se em problemas específicos, como a diarreia, que é a
terceira causa mais comum da mortalidade infantil em países em desenvolvimento.
O foco da nova estratégia foi nos seguintes programas:
- monitoramento
do crescimento
- reidratação
oral
- amamentação
- imunização
- planejamento
familiar
- suplementos
alimentares
- educação
feminina
Os
cuidados primários de saúde seletivos favoreceram metas de curto prazo, mas não
abordaram as causas sociais da doença. O modelo seletivo não respondeu
adequadamente à inter-relação entre saúde e desenvolvimento socioeconômico.
Os
apoiadores dos cuidados primários de saúde abrangente acusaram a nova estratégia
de ser uma abordagem tecnocêntrica estreita que desviou a atenção da saúde
básica e do desenvolvimento socioeconômico que, além de não abordar as causas
sociais da doença se assemelhava à programas anteriores à Declaração de
Alma-Ata.
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