BNDES: qual a função desse Banco?
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Cercado
de polêmicas, críticas e também elogios, o BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Social e Econômico) esteve recentemente na mira do Governo
Bolsonaro, que prometeu abrir a “caixa-preta” da instituição para divulgar
gastos “comprometedores”. O órgão, inclusive, está sofrendo uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito), isto é, uma investigação por parte do Poder
Legislativo, sobre os contratos internacionais realizados entre 2003 e 2015.
Estes
dados já nos oferecem duas informações para compreender o BNDES: que é uma
instituição controlada pelo Governo Federal, e que ela, de algum modo, pode
mediar dinheiro público em benefício de entidades alheias ao governo.
Mas o que
exatamente é o BNDES? Como ele nasceu? Qual sua função? De onde ele retira
dinheiro? Quem decide como o dinheiro será gasto?
O que é o BNDES?
Em poucas
palavras, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é um
dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, e bancos de desenvolvimento são
instituições estatais destinadas à promoção econômica e social de um Estado.
Além do Brasil, possuem um banco de desenvolvimento nacional países como
Alemanha (KfW), Chile (Corfo), China (CDB), Colômbia (FDN) e México (Nafin).
Além dos nacionais, há instituições com o mesmo intuito no âmbito
internacional, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento.
Estas
instituições emprestam dinheiro, financiam projetos ou fornecem linhas de
crédito a empresas ou empreendedores individuais com projetos que trarão,
segundo o julgamento do órgão, bons resultados socioeconômicos. O BNDES busca
atuar em todos os setores da economia brasileira, criando, por exemplo, linhas
de ampliação da iniciativa privada e modernização de tecnologias.
Este foco
no desenvolvimento é muito importante. Como trata-se de um órgão estatal,
financiado ele mesmo com dinheiro público, o apoio aos projetos deve sempre ser
vinculado ao (bom) impacto econômico e social trazido ao Brasil. Assim, por exemplo, o Banco pode financiar
desde a compra de máquinas agrícolas de uma grande empresa do setor
agropecuário até um carro novo para o padeiro microempreendedor que pretende
fazer entregas e expandir seu negócio.
Além do
BNDES, o Brasil possui outros cinco bancos de desenvolvimento, embora o BNDES
seja o único controlado pelo Governo Federal e aberto a todo o país. Os demais
bancos são controlados por estados brasileiros, e reservam sua atividade à
região onde estão localizados. São eles o Banco de Desenvolvimento de Minas
Gerais (BDMG), Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), Banco de
Desenvolvimento Regional do Extremo Sul (BRDE), Banco da Amazônia (BASA) e
Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
O significado jurídico de bancos de desenvolvimento
A
legislação brasileira (Resolução 394/1976) define bancos de desenvolvimento
como “instituições financeiras públicas não federais, constituídas sob a forma
de sociedade anônima, com sede na Capital do Estado da Federação que detiver
seu controle acionário.”
O BNDES
não é nem estadual, nem uma sociedade anônima (S/A), e, por isso, não está
incluído na classificação jurídica brasileira dos bancos de desenvolvimento
(como os bancos estaduais citados anteriormente), embora tenha nascido como um,
atue como um e leve, inclusive, “desenvolvimento” no nome.
A correta
classificação do BNDES é empresa pública e entidade autárquica do Governo
Federal. Em outros termos, é uma entidade governamental criada para desempenhar
certo papel como se fosse uma empresa privada, embora seja administrada,
controlada e financiada pelo Governo Federal.
Breve histórico do BNDES e foco de atuação
O Banco
foi criado em 1952 durante o segundo governo Vargas sob o nome Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com a incumbência de elaborar projetos e
implementar políticas de desenvolvimento no país.
Àquela
época, o interesse do governo estava concentrado em operações de
infraestrutura, notadamente o desenvolvimento da industrialização. O primeiro
contrato atendido pelo BNDE foi um projeto de reaparelhamento da Estrada de
Ferro Central do Brasil.
Mais
tarde, em 1965, o BNDE passou a financiar também projetos da iniciativa privada
(pequenas e médias empresas). No fim da década de 70, o Banco passou a apoiar o
agronegócio e os setores de energia. Em 1982 o governo Figueiredo ampliou o
foco da instituição e incluiu “Social” em sua sigla. A partir daí vieram
projetos de expansão do mercado interno, que deram força às empresas brasileiras
tanto para competir com produtos importados quanto para exportar os próprios
produtos.
A década
de 1990 foi marcada por eventos e mudanças ainda mais significativas. Em 1993,
as diretrizes do Banco estavam em favor da descentralização regional, e os investimentos
passaram incluir os microempreendedores e a priorizar as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Foi neste ano, também, que os impactos ambientais
começaram a pesar nas decisões de liberação dos financiamentos.
A última
grande mudança ocorreu em 1995. O BNDES passou a financiar atividades do setor
cultural, como a produção de filmes e a preservação do patrimônio artístico e
cultural brasileiro.
Desde a
sua criação, o Banco acrescentou muitos setores à sua área de atuação,
modificando no mesmo ritmo as suas diretrizes. De mero suporte à
infraestrutura, passou a atuar também no apoio ao microempresário ao
desenvolvimento da cultura nacional, sem nunca ter deixado de se envolver em
projetos de segmento infraestrutural.
Atualmente,
segundo o site da instituição, as diretrizes para os próximos anos incluem
“promover a competitividade da economia brasileira, de forma agregada à
sustentabilidade, à geração de emprego e renda e à redução das desigualdades
sociais e regionais.”
Como funcionam os financiamentos e o que pode ser financiado?
Em
primeiro lugar, é preciso entender que o BNDES financia certos empreendimentos
de expansão e inovação. Não se trata de um simples empréstimo em dinheiro. O
valor está vinculado, ou seja, só poderá ser aplicado, na atividade que ensejou
o pedido ao Banco. Se o empresário pediu dinheiro para comprar maquinário, não
poderá utilizá-lo em propaganda.
No
entanto, a grande vantagem do BNDES é fornecer financiamentos e créditos com
juros abaixo dos normalmente praticados pelos bancos. Além disso, os prazos
para pagamento são consideravelmente maiores.
As atividades e aquisições atualmente financiadas pelo BNDES são:
- Investimentos
para implantação, expansão, modernização e/ou recuperação de empreendimentos,
infraestrutura, empresas e instituições públicas e privadas, incluindo estudos,
projetos, obras civis, instalações, treinamento, entre outros;
Produção
ou aquisição de máquinas e equipamentos novos (inclusive veículos utilitários,
ônibus, caminhões e aeronaves), de fabricação nacional e credenciados pelo
BNDES;
- Bens
novos, insumos, serviços, softwares;
- Capital
de giro;
- Exportação
de bens e serviços nacionais; e
- Aquisição
de bens e serviços importados e despesas de internação (através de linhas e
condições específicas para esse fim), desde que haja comprovação de
inexistência de similar nacional.
Também é importante mencionar o que o BNDES não financia:
- Comércio
de armas;
- Motéis,
saunas e termas;
- Jogos
de prognósticos (apostas) e assemelhados; e
- Atividade
bancária/financeira, ressalvado o apoio ao microcrédito.
Para
aqueles empreendimentos existem diversas formas de concessão de crédito. O
objetivo deste texto não é explicar cada uma delas, mas importa entender que
existem linhas de financiamento específicas para empreendimentos específicos.
O BNDES
Finame, por exemplo, é a linha destinada ao financiamento de produção e
aquisição de máquinas e equipamentos nacionais credenciados no BNDES; o BNDES
Finame Agrícola tem objetivo similar, mas volta-se ao setor agropecuário; o
BNDES Automático é uma linha de crédito voltada às MPMES (Micro, Pequenas e
Médias Empresas), que concede créditos de até R$ 20 milhões através de instituições
financeiras (bancos) credenciados, sem que seja necessário estudo do projeto
realizado pelo BNDES.
É
interessante apontar que o BNDES conta até mesmo com um cartão de crédito que
pode ser aprovado no limite máximo de R$ 1 milhão, mas, assim como outras
linhas de crédito, com o cartão só podem ser adquiridos produtos credenciados
no Banco.
E como funciona?
O
processo começa com uma etapa de (1) habilitação, em que o Banco analisa
aspectos cadastrais do cliente, analisa sua situação creditória, jurídica etc.;
depois a solicitação é enviada para (2) análise, etapa na qual o BNDES faz um
exame mais profundo sobre o negócio, verificando pontos como viabilidade
econômica, garantias financeiras, objetivos do projeto e seu impacto ambiental.
Se tudo
for aprovado pelo comitê de análise, a próxima etapa é a (3) contratação, na
qual o contrato de financiamento é formalizado e da qual segue a
disponibilização do dinheiro. Por fim, após o dinheiro entrar na conta do
cliente, o BNDES faz um (4) acompanhamento do projeto: fiscaliza a utilização
dos valores e verifica o cumprimento de todas as exigências acordadas.
Participação de instituições financeiras comuns
Como o
BNDES não possui agências, estrutura e pessoal para atuar em cada cidade
brasileira, ele permite que instituições financeiras comuns (bancos) atuem como
intermediários dos financiamentos.
Estas
instituições devem ser credenciadas ao BNDES, e, embora fiquem com parte dos
juros que os clientes pagam pelo financiamento, também assumem todo o risco da
operação. Se o cliente não pagar a dívida, isto é, for insolvente, a
instituição financeira é que arcará com o prejuízo e buscará cobrar, ficando
ela mesma obrigada a pagar todos os valores ao BNDES.
De
qualquer maneira, é o BNDES quem disponibiliza o dinheiro ao final. Por isso,
todo projeto de financiamento deve receber sua homologação.
Controvérsias
Como
vimos, o BNDES é uma empresa pública, ou seja, todos os valores de que eles
dispõem são dinheiro público, arrecadado principalmente através dos impostos
pagos pela sociedade. Uma das maiores fontes de recursos do BNDES é o Tesouro
Nacional; depois vem o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o PIS-PASEP
(Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público), tributos cobrados sobre as empresas para garantir fundos aos seus
empregados ou servidores.
Ora, uma
empresa pública cuja função é “investir” em negócios da iniciativa privada (ou
mesmo governamentais) nunca estará livre de polêmicas, que incluem até mesmo
suspeitas de corrupção.
Vale
notar — e isto é quase uma controvérsia preliminar — que o BNDES segue a
mentalidade do governo vigente, pois a presidência do Banco é cargo de
indicação da Presidência da República. Um governo pode dar preferência a
empreendimentos da área agropecuária, enquanto outro pode renegar este setor e
decidir por investir quase completamente em projetos de preservação ambiental,
por exemplo. Hoje, a presidência do Banco está com Gustavo Montezano, indicado
pelo presidente Jair Bolsonaro.
Jatinhos
Desde que
entrou, Montezano levantou a bandeira da transparência; e Bolsonaro, que o
indicou, prometeu abrir a “caixa-preta” da instituição para mostrar as
irregularidades dos governos anteriores. Daí veio a polêmica dos jatinhos: o
BNDES publicou recentemente uma lista com o nome das pessoas que buscaram
financiamento de jatinhos particulares junto ao Banco, que incluía nomes de músicos
e políticos brasileiros.
À época,
2008, a maior empresa brasileira de fabricação de aeronaves, a Embraer, vinha
sofrendo os efeitos da crise e precisou de ajuda governamental. O BNDES veio em
socorro e criou um programa especial para financiar aeronaves executivas
(jatinhos) e aumentar o caixa da empresa.
Não
discutiremos se isto é justo ou não, regular ou não. Alguns dizem que o governo
não deve intervir ou mesmo ajudar uma empresa privada à beira da falência, ou
que o dinheiro público jamais deveria ser usado para financiar jatos
particulares; outros dizem que o governo precisa ajudar empresas privadas em
bancarrota para manter o sustento dos empregados.
Fato é
que o BNDES perdeu dinheiro com o projeto: segundo comunicado oficial do Banco,
o prejuízo estimado foi de R$ 693 milhões. Isto porque, neste caso específico,
os juros cobrados estavam abaixo da Selic, que é a taxa básica de juros
definida pelo Banco Central. Quando os devedores terminaram de pagar o
financiamento, o dinheiro já valia menos do que quando foi emprestado. Para
entender o que é a taxa Selic, leia este artigo do Politize!
Preferidos do BNDES
Há também
debates quanto à própria existência do BNDES, se é ou não vantajoso para a
economia. Um dos principais argumentos das vertentes mais liberais, que atacam
o Banco, é que ele costuma emprestar muito mais dinheiro a grandes empresas do
que às chamadas MPME (Micro, Pequenas e Médias Empresas).
Em 2014,
por exemplo, 64% dos 187 bilhões desembolsados foram destinados às grandes empresas;
em 2015, 72% dos 135 bilhões; em 2016, foram 69% dos 88,2 bilhões. A diferença
é constante para os anos anteriores e seguintes.
Comissão Parlamentar de Inquérito
Antes
mesmo do Governo Bolsonaro, o deputado Rubens Bueno pediu, em 2015, a
instauração de uma CPI para apurar irregularidades na atividade do BNDES entre
os anos de 2003 e 2015. Segundo o deputado, alguns dos financiamentos
realizados neste período levantavam suspeitas de ilegalidade e corrupção, como
financiamentos de exportação classificados como secretos, operações milionárias
de crédito com empresas investigadas na Operação Lava-Jato e outras atividades
que, segundo o deputado, não respeitavam o critério do interesse público.
O
relatório final desta CPI acaba de ser terminado (22/10/2019), e veremos seus
frutos, se houve mesmo irregularidades, em pouco tempo no noticiário.
Como
vimos, o BNDES surgiu na década de 1950 como uma instituição estatal destinada
a promover o desenvolvimento na infraestrutura brasileira, de auxílio no
capital de bens de consumo até grandes projetos ferroviários. Depois, passou a
dedicar mais da sua atenção aos pequenos empreendedores, e hoje preocupa-se até
com a proteção do patrimônio cultural, inclusive com o financiamento de obras
cinematográficas.
Se é
possível resumir a função do BNDES, é que ele financia empreendimentos a juros
baixíssimos, tanto de grandes como de pequenos empresários, e, na maioria das
vezes (há exceções, como vimos), não perde dinheiro com isso. Não podemos esquecer, também, que estes
empreendimentos devem ser voltados sempre ao desenvolvimento socioeconômico do
país.
Infelizmente,
a definição de desenvolvimento socioeconômico costuma variar de governo para
governo, o que cria muitas polêmicas sobre as atividades do Banco. À parte as
críticas, os dados mostram que o BNDES vem lucrando nos últimos períodos, o que
indica, pelo menos, que não há dinheiro público sendo efetivamente perdido.
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