ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL E ESTADO LIBERAL: QUAL A DIFERENÇA?
Escrito por Lucas Civile Nagamine/Portal Politize!
Uma das
grandes discussões político-econômicas dos últimos tempos refere-se a qual deve
ser o tamanho do Estado. Não estamos falando das dimensões territoriais de um
país, mas sim sobre o alcance da atuação dos governos nacionais. Ao longo da
história, pensadores de diversas doutrinas propuseram diferentes ideais de
Estado, cada um com diferentes papéis, direitos e deveres. Neste texto, faremos
uma comparação entre as duas categorias de governo que mais figuram nos debates
atuais: um Estado com grande área de atuação (a que chamaremos de “Estado de
bem-estar social”) e um com menor área de atuação (a que daremos o nome de
“Estado liberal”).
ORIGENS E HISTÓRIA
Com o
advento do iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII, surgiu a ideologia liberal.
A partir dela, foram desenvolvidas inúmeras teorias, tanto políticas, quanto
econômicas, que, favoráveis à liberdade dos indivíduos em seu grau máximo,
defendiam que se limitasse o poder de interferência dos Estados na vida e nas
escolhas de seus cidadãos. Assim, segundo John Locke, considerado pai do
liberalismo, cabia somente aos governos garantir três direitos básicos aos
homens: vida, liberdade e propriedade. Adam Smith, pioneiro do liberalismo
econômico, defendeu a não-intervenção estatal na economia, em sua obra A
Riqueza das Nações. Firmando-se os pilares liberais na Europa, os regimes
absolutistas foram, um a um, caindo. Paralelamente, os países europeus, ao
longo dos séculos XVIII e XIX, iniciaram seus processos de industrialização.
É
possível afirmar que, até os primeiros anos do século XX, os Estados liberais,
tendo o Reino Unido e os Estados Unidos como principais representantes,
prevaleceram no mundo ocidental. No entanto, a Primeira Guerra Mundial
(1914-1919) e a crise econômica de 1929 abalaram as estruturas
político-econômicas vigentes até então. Assim, surgiu uma brecha para a
ascensão de propostas alternativas.
Em 1936,
o economista britânico John Maynard Keynes, defensor do intervencionismo,
publicou o livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Estado norte-americano passou a aderir
com mais intensidade aos ideais intervencionistas, adotando a doutrina
keynesiana. Um modelo análogo foi idealizado pelo economista sueco Gunnar
Myrdal e posto em prática por países europeus. Deu-se a esse modelo o nome de
welfare state (em português, Estado de Bem-estar Social). Trata-se de um
governo protagonista na manutenção e promoção do bem-estar político e social do
país e de seus cidadãos.
Apesar de
a contextualização histórica apresentar os princípios básicos dos dois modelos
de Estado abordados, é necessário, para que os conceitos de cada um sejam
realmente compreendidos, um maior aprofundamento de suas características.
No Estado
de bem-estar social, é dever do governo garantir aos indivíduos o que se chama,
no Brasil, de direitos sociais: condições mínimas nas áreas de saúde, educação,
habitação, seguridade social, entre outras. Ademais, em momentos de crise e de
desemprego, o Estado deve intervir na economia de forma que se busque a
manutenção da renda e do trabalho das pessoas prejudicadas com a situação do
país. Isso foi feito, por exemplo, nos EUA, na década de 1930, em que os níveis
de desemprego ultrapassaram a taxa de 25%. Outro ponto central do welfare state
é a existência de leis trabalhistas, que estabelecem regras nas relações entre
empregado e empregador, como salário mínimo, jornada diária máxima,
seguro-desemprego, etc.
Em um
Estado liberal, por outro lado, a lógica é diferente: não se pode garantir como
direito algo que dependa da força de trabalho alheia. Desse modo, saúde e
educação, por exemplo, não são considerados direitos, mas, sim, mercadorias.
Além disso, diferente dos keynesianos, os liberais acreditam na autorregulação
dos ciclos econômicos. Os mercados seriam capazes de se ajustar por conta
própria. Logo, intervenções do Estado são prejudiciais à economia dos países.
Defende-se o livre mercado e a concorrência, além da inexistência de empresas
públicas ou de quaisquer tipos de associação entre governo e parceria privada.
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS
Dos anos
1950 até as décadas de 1970 e 1980, os governos dos países protagonistas na
economia mundial mantiveram políticas características dos welfare states. Os
graves efeitos da grande depressão e das guerras da primeira metade do século
XX foram revertidos e, em termos gerais, a pobreza foi reduzida. Nos EUA, por
exemplo, a taxa de pobreza, que alcançou o patamar de 34% da população em 1950,
reduziu-se a 12% no primeiro quinquênio de 1970 – situação semelhante ocorreu
em países europeus. Todavia, a partir da década de 1980, diversos países do
globo (principal, mas não somente, os subdesenvolvidos) passaram por fortes
crises econômicas, o que gerou a necessidade de uma reformulação das políticas
macroeconômicas em vigência.
Em 1989,
economistas norte-americanos formaram o chamado Consenso de Washington, e
formularam uma série de medidas macroeconômicas a serem seguidas pelos países
membros do Fundo Monetário Internacional (FMI). O caráter das medidas é
liberalizante: abertura comercial, privatização de estatais, redução dos gastos
públicos, reforma tributária, entre outras. Ao longo da década de 1990,
diversos países (inclusive o Brasil, no governo FHC) adotaram parcial ou
integralmente as determinações do Consenso de Washington, um fenômeno a que se
deu o nome de neoliberalismo.
Desse
modo, hoje, não é mais possível catalogar um Estado como “liberal” ou “de
bem-estar social”, de forma binária. A escala é gradual: há países menos
liberais e, portanto, mais voltados à categoria de bem-estar social, e
vice-versa. Uma das maneiras mais utilizadas para que se determine a posição de
cada país nessa escala é avaliando as suas “despesas de bem-estar social”
(gastos relativos ao PIB com as áreas de bem-estar social). Alguns países de
alto IDH possuem altas despesas sociais, como Suécia, Dinamarca e Alemanha,
assim como há países de alto IDH que gastam pouco nessas áreas, a exemplo de
Coreia do Sul, Irlanda e Nova Zelândia. Dessa forma, não é possível afirmar que
um modelo funcione melhor do que o outro: há diversos outros fatores que podem
ser determinantes na qualidade de vida de um país.
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