Ditadura Militar no Brasil
Escrito por Talita de
Carvalho/Portal Politize!
A ditadura
militar no Brasil durou 21 anos, teve 5 mandatos militares e instituiu 16 atos
institucionais – mecanismos legais que se sobrepunham à constituição. Nesse
período houve restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e
censura.
Para que
você entenda um pouco mais sobre esse momento da história brasileira, o
Politize! preparou esse texto. Vamos lá?
O que estava acontecendo no Brasil antes da Ditadura Militar?
Antes de
entender o período militar brasileiro, é preciso compreender os eventos que levaram
até ele – os antecedentes do golpe militar de 1964.
O
primeiro momento é marcado por Jânio Quadros – que assumiu a presidência em
1961 e nesse mesmo ano renunciou ao cargo. A partir disso, seu vice – João
Goulart – foi quem assumiu seu lugar. A questão é que Jânio Quadros e João
Goulart eram de partidos políticos diferentes e tinham projetos opostos para o
país. O projeto de Jango – apelido por qual era conhecido o novo presidente –
estava apoiado em “reformas de base” – como fiscal, administrativa, universitária
e, principalmente, agrária. Além disso, o presidente era um representante
trabalhista, do legado de Getúlio Vargas.
Assim,
como mencionado, a reforma agrária era uma das principais propostas do governo
Jango e também a que mais gerava polêmica. Afinal, era combatida pelos grandes
latifundiários e por grande parte dos parlamentares no Congresso Nacional.
Assim,
esse foi um momento de bastante efervescência e polarização política entre a
população. Houve apoio de parte da população para a derrubada do governo –
principalmente dos setores mais conservadores da sociedade e de partes da
classe média. É por esse motivo, inclusive, que muitas vezes o termo ditadura
civil-militar é utilizado.
E o envolvimento dos Estados Unidos?
Vale
lembrar ainda que eram tempos de Guerra Fria e havia medo de um suposto “perigo
comunista”. Assim, no conflito que começou logo após o final da Segunda Guerra
Mundial e foi responsável pela bipolarização ideológica – em que os Estados
Unidos – defensores do capitalismo – e a União Soviética – defensora do
socialismo – disputavam hegemonia econômica, política e militar no mundo.
Nesse
cenário, os Estados Unidos, com medo da expansão socialista – principalmente
depois da Revolução Cubana – passou a intervir ativamente nos países da América
Latina para impedir o crescimento das ideias consideradas comunistas. As
ditaduras militares na região foram então mecanismos para frear esses
movimentos e tanto no Brasil, quanto em outros países latino americanos, foram
apoiadas pelos Estados Unidos.
Em 2014,
documentos liberados pelos Estados Unidos – e investigados pela Comissão
Nacional da Verdade – revelaram que mais de 300 militares passaram uma
temporada na Escola das Américas (o instituto de guerra dos Estados Unidos no
Panamá). Lá, entre 1954 e 1996, os militares brasileiros tiveram aulas teóricas
e práticas sobre tortura.
Além
disso, gravações liberadas pela Casa Branca das conversas entre o ex-presidente
John Kennedy e o embaixador do Brasil no momento – Lincoln Gordon – comprovam o
envolvimento estadunidense na ditadura militar brasileira.
O golpe: o início da ditadura militar no Brasil
No dia 31
de março de 1964, tanques do exército foram enviados ao Rio de Janeiro, onde
estava o presidente Jango. Três dias depois, João Goulart partiu para o exílio
no Uruguai e uma junta militar assumiu o poder do Brasil.
No dia 15
de abril, o general Castello Branco toma posse, tornando-se o primeiro de cinco
militares a governar o país durante esse período. Assim se inicia a ditadura
militar no Brasil, que vai durar até 1985.
Vamos conhecer essa história com mais detalhes?
Para te
ajudar a entender os acontecimentos mais importantes desses 21 anos de Ditadura
Militar no Brasil, vamos dividir a história de acordo com os mandatos de cada
presidente.
Vale
lembrar: as eleições para presidente nesse período foram indiretas e serviam de
fachada. Eram processos antidemocráticos, pois o partido que estava no governo
– ARENA – possuía o controle tanto da Câmara dos Deputados, quanto do Senado
Federal.
Castello Branco e os atos institucionais
No
governo de Castello Branco (1964-67) foi declarado o primeiro ato institucional
da Ditadura Militar no Brasil – conhecido como AI 1!
Atos
institucionais eram decretos e normas, muito utilizados durante a ditadura –
eles davam plenos poderes aos militares e garantiam a sua permanência no poder.
Dentre as principais medidas asseguradas pelo AI 1 estava o fim das eleições
diretas, isto é, a partir desse momento, as eleições para presidente seriam
feitas pelo Congresso Nacional e não pela população. Nesse mesmo governo, as eleições
diretas estaduais também foram suspensas e em 1967 uma nova Constituição entrou
em vigor.
Em 1965 –
por meio do Ato Institucional nº 2 – todos os partidos políticos foram fechados
e foi adotado o bipartidarismo, ou seja, a partir desse momento passaram a
existir apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Enquanto
o primeiro apoiava o governo, o segundo partido representava a oposição
consentida (mas atenção: havia várias restrições à sua atuação!). Essa medida,
ao mesmo tempo em que fortalecia o Poder Executivo, proporcionava uma imagem de
legalidade à ditadura, pois mantinha o Congresso Nacional em funcionamento
(apesar de ter sido fechado em alguns momentos). Além disso, unir todos os partidos
de oposição em apenas um partido – o MDB – também foi uma estratégia dos
militares de facilitar a repressão aos opositores do regime.
O AI-2
mudou ainda dispositivos constitucionais, alterando o funcionamento do Poder
Judiciário e concentrando cada vez mais poder no Executivo.
Veja
também nosso post sobre tortura no regime militar.
Costa e Silva e o AI-5
O governo
de Costa e Silva (1967-69) foi marcado por muita repressão, violência, tortura
aos opositores do regime e restrição aos direitos políticos e à liberdade de
expressão.
A
insatisfação de parcelas da população com as medidas antidemocráticas fez
crescer o número de manifestações, sendo uma das maiores a Passeata dos 100
mil. Nessa ocasião, o estudante Edson Luís foi morto em confronto com a
polícia, o que gerou grande comoção e fortaleceu a oposição ao regime.
Em
resposta, Costa e Silva promulgou o AI 5, que fechou o Congresso por tempo
indeterminado; decretou estado de sítio; cassou mandatos de prefeitos e governadores
e proibiu a realização de reuniões.
Como esse
decreto dava o direito ao governo de punir arbitrariamente os inimigos do
regime, é considerado o golpe mais duro da Ditadura Militar no Brasil. Nesse
período, também conhecido como “anos de chumbo”, em resposta ao regime repressivo,
começaram a surgir grupos armados, contra os quais houve forte repressão por
parte dos militares.
Médici e o “milagre econômico”
O Governo
de Médici (1969-74) é considerado o período de maior repressão da Ditadura Militar
no Brasil. A censura dos meios de comunicação se intensificou e muitos
prisioneiros políticos foram torturados. Afinal, os movimentos de oposição ao
regime eram reprimidos por diversas frentes do governo militar.
Além
disso, o período também ficou conhecido como o “milagre econômico”. Isso porque
algumas medidas econômicas adotadas pelo governo como a restrição ao crédito, o
aumento das tarifas do setor público, a contenção dos salários e direitos
trabalhistas, e a redução da inflação resultaram em taxas de crescimento do PIB
acima de 10% e grandes investimentos em infraestrutura.
Ainda,
nesse momento foram construídas mais de 1 milhão de casas, financiadas pelo
Banco Nacional de Habitação (BNH) e o setor de bens duráveis e eletrodomésticos
cresceu. Por isso, a impressão que se passava a partir dos resultados dessas
medidas era a de crescimento econômico, ou como se costuma chamar: “milagre
econômico”.
O
crescimento da economia somado à euforia após a conquista do tricampeonato
mundial de futebol levou o governo militar a adotar campanhas publicitárias
ufanistas, como “Brasil, ame-o ou deixe-o” ou “Ninguém mais segura esse país”.
Você talvez já tenha ouvido falar delas, não é mesmo?
Esse
“milagre”, no entanto, deixou uma dívida externa muito grande para o país –
equivalente hoje a uma dívida no valor de US$ 1,2 trilhão, muito maior que a
atual, cujo valor registrado em 2017 foi de US$ 37,36 bilhões. Isso significa
que o “milagre econômico” gerou na realidade a dependência brasileira por
empréstimos externos nos anos que seguiram.
Além
disso, o milagre foi acompanhado de maior desigualdade de renda. Ou seja, a
riqueza se concentrou ainda mais nas mãos dos ricos e a camada de pobres da
população teve sua situação econômica e social ainda mais precarizada. O Índice
de Gini – que mede a concentração de renda de um país – alcançou em 1977 o pior
nível da história, com o número de 0,62. Isso significa uma concentração de
renda maior do que a registrada atualmente em países como Namíbia e Haiti!
Em 1973,
houve a crise do petróleo no mercado internacional. Com o aumento do preço do
combustível, a inflação no país continuou a subir e em 1974 a inflação era de
quase 30% ao ano – chegando a taxa de 242,24% ao final da ditadura. Além disso,
os investimentos na economia brasileira caíram, reduzindo o consumo e a geração
de empregos. Diante dessas dificuldades, o governo militar passa a perder
apoio.
Em 1971,
foi promulgado um decreto-lei que tornava ainda mais rígida a censura à
imprensa, os grupos de esquerda sofriam fortes repressões e foram criadas
instituições para lutar contra eles, como o Departamento de Operações Internas
(DOI) e o Centro de Operação da Defesa Interna (CODI). Estes órgãos eram
utilizados como centros de aprisionamento e tortura e estavam localizados nas
principais cidades do Brasil.
Geisel e o início da abertura política
Geisel
(1974-79) iniciou seu governo com uma abertura política lenta, gradual e
segura. Na prática, isso significava a transição para um regime democrático,
mantendo os grupos de oposição e movimentos populares excluídos dos processos
de decisão política. Essa transição também tinha como razão o desgaste das
Forças Armadas após anos de repressão, violência e restrição à liberdade.
As
violações aos direitos humanos e repressões violentas continuaram apesar do
início da abertura. O caso mais grave ocorrido durante o governo de Geisel,
como já mencionamos, foi a tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, em
1975. Esse episódio gerou grande comoção popular, mas Geisel não tomou
providências para punir os responsáveis.
A crise
econômica também se agravou e em 1978 operários metalúrgicos do ABC iniciaram o
maior ciclo de greves da história do Brasil.
Diversos
setores da sociedade começaram a se mobilizar e denunciar as atrocidades
cometidas pelo governo, a situação ficava ainda mais insustentável para a
manutenção da Ditadura Militar no Brasil. Diante da pressão da população e do
surgimento de movimentos contrários ao regime, em 1978, o presidente revogou
diversos decretos-lei, inclusive o AI 5.
Em termos
de investimento, no governo do Geisel, foram registradas os mais altos aportes
em infraestrutura e industrialização desde o início da ditadura militar,
atingindo 23,3% do PIB. Esse é um valor alto se considerado o investimento no
início do regime – de 15%. Alguns dos exemplos desses investimentos foram a
Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói, as Usinas Nucleares de Angra e a
hidrelétrica de Itaipu.
Figueiredo e a Lei da Anistia
O Governo
de Figueiredo (1979-85) durou 6 anos e colocou fim ao período ditatorial. Em
1979, foi promulgada a Lei de Anistia. Aos poucos, presos políticos foram sendo
libertados e os exilados voltaram ao país.
Uma
polêmica sobre a Lei de Anistia é que ela excluía os guerrilheiros condenados
por atos terroristas, mas incluía os agentes de repressão policial e militar,
responsáveis por violações aos direitos humanos, como torturas e mortes.
A partir
desse momento, tornou-se possível a criação de novos partidos políticos, muitos
desses existem até hoje. Mas essa abertura do final do regime não era aceita
por todos os militares, algumas alas desejavam manter a ordem vigente.
Considerado um ato de terrorismo, militares contrários à abertura explodiram
uma bomba num centro de convenções no Rio de Janeiro durante uma comemoração ao
dia do trabalho, em 1981. Neste caso também não houve investigações ou
punições.
Ao final
do mandato de Figueiredo, a população mobilizou-se pela realização das eleições
diretas, pois segundo a Constituição, o sucessor seria eleito pelo Congresso.
As demandas, no entanto, não foram atendidas. Tancredo Neves foi eleito por
voto indireto e somente em 1989 a população brasileira teve o direito de votar
diretamente para a presidência.
A resistência armada na ditadura militar brasileira
Durante a
ditadura militar, motivados por ideais socialistas, foram criados grupos
armados de esquerda que acreditavam que outro sistema poderia resolver as
injustiças sociais geradas pelo capitalismo. Esse não foi um movimento
exclusivo do Brasil, as revoluções armadas aconteceram ao longo da história,
especialmente quando “pegar em armas” se mostrava como o único caminho possível
para lutar contra o autoritarismo do regime militar.
Esses
grupos agiam na clandestinidade e muitos guerrilheiros afastaram-se da vida
civil para planejar e executar suas ações. Para combater a luta armada, os
militares utilizaram inúmeros recursos jurídicos, políticos e militares. A
tortura foi uma das formas que o Estado utilizou para conseguir informações
sobre esses grupos e suas estratégias e enfraquecer sua atuação.
A cultura como resistência à ditadura militar
Nós já
falamos sobre os grupos armados que lutavam contra a Ditadura Militar no Brasil
e da Passeata dos 100 mil, uma mobilização que contou com apoio de diversos
setores da sociedade. Mas não podemos deixar de lado que o período da ditadura
foi de grande importância cultural e artística no país.
Apesar
das restrições à liberdade de imprensa e de expressão – impostas pela censura –
muitos artistas, músicos e cineastas manifestavam seu posicionamento contrário
ao regime, ainda que de maneira metafórica – para não serem condenados como
opositores ao regime.
Tom
Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Gilberto Gil e Veloso são exemplos de
cantores e compositores que utilizaram a música para manifestar sua opinião. O
Tropicalismo, por exemplo, foi um movimento forte de oposição à ditadura e de
construção da identidade cultural brasileira. Diversos artistas, músicos e
escritores foram exilados durante o período ditatorial.
Um dos
exemplos de música que se referia (contra) a ditadura era “Apesar de você” de
Chico Buarque. No princípio, os militares não perceberam que a letra era uma
mensagem a eles e liberaram a canção, mas a população entendeu o recado e logo
em seguida o governo militar proibiu a execução da música e destruiu os discos.
Assim, concluímos…
A
Ditadura Militar no Brasil foi um longo período da nossa história no qual a
democracia foi suprimida por um regime autoritário.
É verdade
que houve crescimento econômico, porém sem distribuição de renda. Também é
verdade que outras ditaduras na América Latina foram mais violentas do que
aqui. Entretanto, sabe-se que este foi um período de restrição das liberdades
de expressão, e que a violência e a tortura foram utilizadas como a principal
forma de repressão. Apesar de página dura da nossa história, conhecer esse
momento político contribui para o entendimento da nossa sociedade e para
prevenir que os valores democráticos sejam desrespeitados novamente.
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