Lei de
Terras
A lei n. 601, de 18 de setembro de 1850,
amplamente conhecida como Lei de Terras, foi o dispositivo legal que, pela
primeira vez, buscou regulamentar a questão fundiária no Império do Brasil.
Esse ato determinou que a única forma de acesso às terras devolutas da nação
fosse através da compra ao Estado em hasta pública, garantindo, entretanto, a
revalidação das antigas sesmarias, que era até então a forma de doação da terra
por parte do Estado à iniciativa particular – prática existente desde os tempos
coloniais – e das posses realizadas até aquele momento, desde que estas
tivessem sido feitas de forma mansa e pacífica. As terras localizadas nas
fronteiras seriam exceção a essa regra, permitindo-se a cessão gratuita por
parte do Estado em uma área até dez léguas da fronteira. Ficava ainda
estabelecido um prazo para que os proprietários – posseiros ou sesmeiros –
demarcassem e registrassem suas terras, de forma que garantissem, assim, os
necessários títulos de suas propriedades, sem os quais não poderiam hipotecar,
vender ou alienar de qualquer outra forma. A lei definiu também penas para
aqueles que se apossassem indevidamente de terrenos públicos ou privados e
neles pusessem fogo ou derrubassem mato, sendo estes casos sujeitos a expulsão,
prisão de seis meses a dois anos, e multa de 100$.
Da parte do Estado caberia demarcar as
terras devolutas destinadas à utilização pública, como fundação de povoações,
colonização indígena, abertura de estradas e construção naval ou posterior
colocação à venda. A receita proveniente da venda dessas terras seria destinada
a novas demarcações e para suprir uma segunda preocupação da Lei de Terras: a
importação de colonos livres como forma de substituição da mão-de-obra escrava
no campo. Essa questão tornava-se particularmente urgente frente à aprovação,
apenas 14 dias antes, da Lei Euzébio de Queiroz, que extinguiu o tráfico de
escravos no Brasil, acabando com a principal fonte de mão-de-obra das fazendas
do país.
A Lei de Terras instituiu também a
Repartição-Geral de Terras Públicas, com o objetivo de organizar, dirigir a
medição, divisão e descrição das terras devolutas, bem como tratar da
conservação, fiscalização, venda e distribuição dessas terras, além de propor e
executar medidas relativas à colonização. O decreto n. 1.318, de 30 de janeiro
de 1854, que deu as instruções para a execução da lei, criou ainda repartições
especiais de terras públicas em cada província, que funcionariam como
‘escritórios’ descentralizados, sendo dirigidos por um delegado do diretor da
Repartição Geral, assessorado por um fiscal e pelos oficiais e amanuenses
necessários para o serviço.
A conveniência de uma definição da
política de terras no Império fez-se impreterível desde o raiar da
Independência. Em 17 de julho de 1822, uma decisão assinada por d. Pedro I,
então príncipe regente, determinou a suspensão das concessões de sesmarias no
país. Dessa forma, a posse consolidou-se como a única forma de acesso à terra
desde as primeiras décadas do Império brasileiro. Antes da aprovação da Lei de
Terras, outras tentativas de discussão do tema foram realizadas em diferentes
momentos, a primeira delas já em 1822, elaboradora por José Bonifácio. O então
deputado defendia que as sesmarias já concedidas e não cultivadas devessem
retornar ao patrimônio nacional, deixando ao antigo comissionário apenas meia
légua quadrada de terra, com a obrigação de que fosse cultivada. Advogava
também pela regularização das posses, condicionada à exigência do cultivo,
podendo o seu proprietário perdê-la caso não o realizasse em prazo
pré-determinado. O projeto de Bonifácio buscava beneficiar com a concessão de
terras devolutas os europeus pobres, possíveis migrantes, os índios, mulatos e
negros forros. Entretanto, com a crise gerada pelo fechamento da Assembleia Constituinte
em 1823, que ocasionou o seu exílio e consequente afastamento da vida política,
esse projeto cairia no esquecimento e jamais sairia do papel.
Uma segunda tentativa de discussão do tema
ocorreria por iniciativa do padre Diogo Feijó a partir de 1829. Sob marcos
semelhantes aos de Bonifácio, Feijó buscava em seu projeto estimular a
imigração de homens livres para o trabalho na lavoura e combater a concentração
fundiária capitaneada pelos sesmeiros e grandes posseiros, que se apropriavam
de largas extensões de terra, sem, contudo, cultivá-las. Para Feijó a
produtividade da terra também era condição para garantia de concessões. No
projeto do padre político, para revalidação das antigas sesmarias, elas
deveriam ter sido concedidas há, no mínimo, dez anos, e seus proprietários
estariam obrigados a aproveitá-las, ou vendê-las num prazo de cinco anos, caso
não as cultivassem. Se o ostracismo político fez a proposta de Bonifácio sobre
Lei de Terras ficar de lado, no caso de Feijó foi justamente o oposto que ofuscou
seu projeto. Eleito regente único em 1835, seu governo foi marcado por diversas
rebeliões de norte a sul do país, que acabaram deixando a questão da terra e da
imigração em segundo plano.
Em 1842 o governo imperial enviaria à
Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado a solicitação de formulação
de um projeto de lei de terras, que seria elaborado por Bernardo Pereira de
Vasconcelos e José Cesário de Miranda. Essa proposta buscou dar conta de um
ponto que já era consensual entre os grandes proprietários: a substituição da
mão-de-obra escrava, cada vez mais em xeque devido às crescentes pressões
inglesas para a extinção do tráfico, pelo fomento à imigração estrangeira.
Entretanto, as partes que diziam respeito à demarcação clara das propriedades
públicas e privadas, à limitação do tamanho das posses a serem legalizadas e à
instituição de um imposto territorial iam de encontro aos interesses dos
latifundiários, que tinham na terra seu principal instrumento de poder num
Brasil majoritariamente rural e latifundiário. Apresentado e aprovado na Câmara
em 1843, esse projeto não seria aplicado, ficando engavetado durante os anos do
gabinete liberal. Serviria, então, de base para a formulação da lei n. 601 com
a volta do Partido Conservador ao poder em 1848.
A posição dos latifundiários sairia
vitoriosa na aprovação da lei de 1850, e os pontos polêmicos do projeto de 1843
seriam resolvidos a seu favor. O imposto territorial seria abolido do texto
final, bem como o limite para as posses a serem registradas seria alargado,
sendo permitidas demarcações que não ultrapassassem no máximo a extensão da
última sesmaria concedida na mesma comarca. O registro das posses determinado
pela Lei de Terras constituiria um capítulo à parte da oposição à sua aplicação
por parte dos proprietários. A bibliografia é unânime em afirmar que poucas
sesmarias foram revalidadas e poucas posses foram legitimadas. As medidas
tomadas pelo governo e seus agentes nesse sentido, com as criações das
repartições especiais de terras públicas e de juízes comissários de medição nas
províncias e da organização da Repartição Geral de Terras Públicas em nível
nacional, foram insuficientes para garantir sua execução. Essa incapacidade já
era notada pelo governo desde 1856, quando se esgotou o primeiro prazo para os
registros. O prazo original ainda seria prorrogado por mais duas vezes,
primeiro por mais um ano e depois por mais seis meses, sem que fossem obtidos
melhores resultados.
Os grandes proprietários recusaram-se em
sua maioria a registrar suas terras pela ameaça que isso representava ao
equilíbrio de poder local no campo, e as penas prometidas pelo Estado acabaram
não sendo executadas. Dessa forma, ainda durante o Império, seriam criadas
novas secretarias e repartições na tentativa de se aplicar a lei, como
Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em
1861, e a Inspetoria-Geral das Terras e Colonização em 1876. Entretanto, o
poder de ação desses órgãos foi limitado e a terra continuou a ser adquirida
sem o controle do Estado através da prática constante da falsificação de
documentos.
O segundo eixo da Lei de Terras, o fomento
à imigração, também não teria um efeito imediato. Apesar do fim do tráfico em
1850, nos anos imediatamente posteriores o que se verificou foi a
intensificação do tráfico interprovincial, com a venda de escravos por parte
das províncias do nordeste, que apresentavam um declínio em suas culturas de
cana-de-açúcar e algodão, para as províncias do eixo econômico do sudeste e
suas lavouras cafeeiras em franca ascensão. Contribuiu para esse insucesso
também a não aprovação do imposto territorial na lei de 1850, que
subvencionaria a vinda de imigrantes através do fundo constituído por suas
receitas. Assim, o grande fluxo migratório esperado com o fim do tráfico
escravo só viria a ocorrer, de fato, no final do século XIX e início do XX.
Vale ressaltar que São Paulo, a província que capitaneou a primeira vinda
maciça de imigrantes a partir dos anos de 1870, fê-lo com recursos próprios,
sem qualquer apoio do governo central ou de algum fundo nacional para tal ação,
contando apenas com os rendimentos advindos da economia cafeeira.
Felipe Almeida
Fonte:
MAPA
0 Comentários