A nova geopolítica do petróleo no século
XXI
por William Nozaki
A sustentabilidade ambiental e climática,
assim como as possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas, certamente
são motores que impõe a necessidade de que Estados e empresas petrolíferas se
debrucem sobre estratégias de transição da matriz energética. Entretanto,
abaixo da ponta desse iceberg há outros motivos geopolíticos e financeiros
menos nobres, e mais contraditórios
As duas primeiras décadas do século XXI
tem sido marcadas por transformações importantes na geopolítica do petróleo.
Desde a década de 1970 com a consolidação da OPEP o epicentro da indústria
petrolífera orbita ao redor do Golfo Pérsico, entretanto, novas estratégias
nacionais e empresariais para o setor de óleo e do gás parecem fortalecer a
conformação de novos centros dinâmicos para os hidrocarbonetos.
As principais descobertas petrolíferas de
exploração econômica viável e promissora realizadas neste século concentram-se
no continente americano, com o shale gas e o tight oil norte-americanos, o óleo
das areias betuminosas canadenses e o óleo do pré-sal brasileiro. Prova disso é
que em 2018, os EUA assumiram o posto de maior produtor de petróleo do mundo,
com produção de mais de 11,3 milhões de barris por dia, o Canadá bateu o
recorde de comprovação de reservas provadas totalizando mais de 179,6 bilhões
de barris e o Brasil ingressou na lista dos dez maiores produtores de petróleo
com média de 2,5 milhões de barris por dia, ultrapassando países tradicionais
como Kuwait (os dados são da Agência Internacional de Energia).
Além disso, algumas das principais
intervenções governamentais do setor petrolífero na última década aconteceram
na Venezuela, com a estatização de campos de petróleo, plataformas, terminais e
embarcações, na Bolívia, com a nacionalização de reservas de gás, refinarias,
logística de comercialização e distribuição, e podem agora se estender ao México,
com o recente anúncio da suspensão dos leilões de petróleo por três anos, a
interdição de propostas de desestatização e a possibilidade de revisão de
contratos sinalizada pelo presidente recém eleito Andrés Manuel López Obrador
(AMLO). Por todos esses motivos, a América tem se tornado um território central
na nova geopolítica do petróleo, mas ao que tudo indica ela não está sozinha
nessa nova configuração.
De acordo com um levantamento realizado
pela consultoria IHS Cera, se considerarmos as 35 maiores descobertas de
hidrocarbonetos com mais de 1 bilhão de barris, além dos países americanos
supracitados, encontraremos avanços significativos em países como Rússia,
China, Índia e Turcomenistão, o que coloca a Ásia também no radar das novas
transformações estruturais da geopolítica do petróleo. Parte dessas cobertas
corresponde a petróleo tradicional e xisto, cujo vigor de oferta não é de
longo-prazo, mesmo assim a Eurásia emerge como importante ofertante e o Sudeste
asiático como relevante demandante.
Nesse caso merece destaque uma mudança de
mercado importante, na década de 2000 mais de 40% da demanda global de energia
se concentrava na Europa e nos EUA e apenas 20% nas economias em
desenvolvimento da Ásia, de acordo com as projeções essa situação, que já passa
por um mudança significativa, deve sofrer uma reversão completa até 2040 com a
expansão acelerada da demanda se concentrando na China e na Índia (os dados são
do último World Energy Outlook – 2018).
Em outras palavras, não apenas a Ásia
emerge como polo de expansão da oferta, mas também emerge como polo de
crescimento da demanda por petróleo e gás natural, alavancando a Rússia como
parceira estratégica nessa trajetória. Nesse quadro, ao que tudo indica, deve
haver o aumento da demanda por derivados e a consequente necessidade de
ampliação da capacidade de refino desses países. Segundo recente relatório da
British Petroleum (BP), até 2040 deve haver uma demanda incremental de até 12
milhões de barris de petróleo/dia no mundo, estando um terço dela concentrada
apenas na China e na Índia. No entanto, considerando as principais indústrias
petrolíferas há previsão de investimentos para a construção de uma capacidade
adicional de apenas 4 milhões de barris/dia. Se a capacidade adicional de
produção de derivados se concentrar ao redor dessa região é possível que a Ásia
também se transforme em ofertante global de derivados.
Diante desse cenário de reorganização das
correlações de força no tabuleiro geopolítico do petróleo, o que se desenha é
uma queda de braços entre a face oeste e a face leste do Golfo Pérsico, de um
lado os EUA aprofundam ainda mais seus laços com a Arábia Saudita, de outro
lado a China e a Rússia estreitam relações com o Irã, no centro dessa disputa a
OPEP tenta uma vez mais exercer o seu poder de definição sobre o preço do
petróleo, mas dessa vez com menos facilidade do que em momentos anteriores. Os
encontros da OPEP em 2018 e a sistemática tentativa de reduzir a produção de
petróleo em 1,2 milhão de barris por dia foram realizados sob clima de
permanente tensão, como evidenciam a saída do Qatar do bloco e a necessidade de
os países contar com a anuência de aliados de fora do grupo para fazer valer
suas novas resoluções.
Em momentos de transformação como o atual
inevitavelmente se reabrem os debates sobre os limites de uma fonte energética
escassa e não-renovável como é o caso do petróleo, foi assim na década de 1970,
quando as crises do petróleo colocaram na agenda pública o debate sobre o fim
da era dos hidrocarbonetos. Não só o petróleo não se escasseou como as novas
descobertas já elencadas o tem mantido no centro das disputas econômicas
internacionais desse século.
A sustentabilidade ambiental e climática,
assim como as possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas, certamente
são motores que impõe a necessidade de que Estados e empresas petrolíferas se
debrucem sobre estratégias de transição da matriz energética. Entretanto,
abaixo da ponta desse iceberg há outros motivos geopolíticos e financeiros menos
nobres, e mais contraditórios, que também tem reforçado a importância crescente
dessa agenda. Se o petróleo vier a acabar será menos resultado de lutas
ambientais e avanços tecnológicos, e mais consequência de como a
financeirização e as instabilidades em relação à determinação do preço do
petróleo tem imposto a redução de investimentos em novas descobertas pelas
grandes empresas petrolíferas globais.
Os planos de investimento das grandes
empresas petrolíferas têm sinalizado para a paulatina redução dos aportes em
upstream (fase de exploração e produção) e para a manutenção dos recursos em
downstream (fase de refino e distribuição); há ainda a tendência de que as
National Oil Companies (NOCs) centralizem os investimentos em novas descobertas
enquanto as International Oil Companies (IOCs) concentrem os investimentos em
outras etapas e nos processos de reestruturação patrimonial.
Isso tem se dado dessa forma, pois, de um
lado, a alta volatilidade dos “ciclos petrofinanceiros” no curto-prazo tem
inibido novos investimentos em grandes projetos com alto risco de exploração e
produção (E&P) e tem diminuído aportes em bens de capital pelas grandes
petrolíferas, que tem passado a apostar em renováveis e start-ups; de outro
lado, a alta temperatura no ambiente geopolítico, que deve prosseguir no médio
prazo, tem alertado os principais Estados para a importância de garantirem sua
segurança e defesa energética por meio da proteção ao acesso de reservas de
óleo e gás.
Nesse cenário, talvez não seja precipitado
imaginar que a transição energética, se ocorrer, será informada menos por uma
diminuição da demanda de petróleo em função de alguma mudança tecnológica (como
a propalada difusão do carro elétrico), ou orientada por pactuações ambientais
e climáticas (como o Acordo de Paris e seus desdobramentos), o mais provável é
que tal mudança seja informada por dois fatores. Primeiro, por uma diminuição
da oferta, resultado da crescente pressão dos fundos financeiros sobre as
petrolíferas para que elas tenham mais rendimentos para os acionistas e menos
investimentos de risco desbravando novas fronteiras de descobertas. E, segundo,
pela capacidade das grandes operadoras de petróleo assumirem um papel
relevante, para não dizer protagonista, na produção de outras formas de energia
que substituirão o petróleo no longo prazo.
O que ainda não parece claro é como a
máquina de segurança, defesa e guerra dos países – ainda profundamente
dependente do petróleo – vai receber essa tendência oriunda do mercado, se
associando a ela e a estimulando ou a repelindo e a atrasando.
Em outras palavras: as questões
ambientais, climáticas e tecnológicas podem influenciar na transição da matriz
energética, mas certamente não a determinam, pois, antes de mais nada seus
determinantes são políticos e econômicos, para ser mais preciso são
geopolíticos (o longo prazo da segurança energética) e financeiros (o curto
prazo dos ganhos acionários).
Colocada a questão nesses termos, o
problema não é quando se chegará ao “pico” da demanda por petróleo, mas quando
se chegará ao “vale” dos novos investimentos em exploração e produção de óleo e
gás e, em que momento, essas grandes empresas assumirão a liderança no
desenvolvimento de outras fontes de energia.
Esses elementos é que, provavelmente, vão
indicar a velocidade e a viabilidade de se operacionalizar ainda no século XXI
a transição da matriz energética, dito de forma metafórica esse processo não
será determinado nem pelas reivindicações ambientais do Greenpeace e nem pelas
inovações tecnológicas de uma Tesla, mas pela bolsa e pelas armas.
O que resta saber é se esse conjunto de
mudanças geopolíticas, nacionais e empresariais acontecerão na temporalidade de
longa-duração da geologia ou na velocidade de curta-duração das finanças, mas é
certo que a configuração de uma nova geopolítica do petróleo está em andamento.
Fonte: diplomatique
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