Estudo relaciona mortandade de peixes a operações de
hidrelétricas
Pesquisadores investigaram 251 eventos de mortandade de
2010 a 2020
Publicado em 09/07/2021 - 08:58 Por Camila Boehm – Repórter
da Agência Brasil - São Paulo
A operação de usinas hidrelétricas está relacionada à morte
de toneladas de peixes nos últimos 10 anos em todo o Brasil, segundo apontou
estudo da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das universidades federais
do Pará (UFPA) e de Tocantins (UFT), publicado na revista Neotropical
Ichthyology nesta sexta-feira (9).
Os pesquisadores investigaram 251 eventos de mortandade de
peixes de água doce registrados em todas as bacias hidrográficas brasileiras,
em rios e reservatórios, revisando casos ocorridos entre 2010 e 2020. Esses
eventos foram registrados principalmente em trechos de rios abaixo de usinas
hidrelétricas. Em 2007, no reservatório da hidrelétrica de Xingó, localizada
entre os estados de Alagoas e Sergipe, foram perdidas 297 toneladas de tilápia,
conforme cita o estudo.
O estudo cita que, desde os anos 1970, houve um declínio de
84% das espécies de peixes de água doce no mundo, segundo relatório de 2018 da
organização não governamental World Wide Fund For Nature (WWF).
Impacto ambiental
Apesar de a geração de energia a partir de hidrelétricas
ser vista como limpa e renovável, a mortandade em massa dos peixes em áreas de
hidrelétricas foi associada a suas operações. De acordo com o estudo, o
enchimento do reservatório das usinas, o ligamento e o desligamento de suas
turbinas e a abertura e o fechamento das comportas de vertedouros causam
mudanças repentinas no ambiente, que tem impactos negativos para os cardumes.
Esses fatores, que fazem parte da operação regular das
hidrelétricas, afetam a quantidade de oxigênio e de outros elementos na água,
além da quantidade de água nos rios, o que pode levar à morte dos peixes. Além
de impacto ambiental e risco à biodiversidade, esses eventos levam a impactos
sociais e econômicos para as populações de pescadores e ribeirinhos que
dependem da pesca para viver.
Os resultados do estudo apontam que a abertura das
comportas para liberar água do reservatório, seja para regular a vazão do rio
ou para facilitar o funcionamento das turbinas com a remoção de plantas
aquáticas, por exemplo, é uma das principais atividades relacionadas aos
eventos de mortandade de peixes. O lançamento de água pode levar à
supersaturação de gases na água, que pode levar os peixes à morte.
“Uma manobra rápida do vertedouro pode levar a uma grande
mortandade, porque leva à formação de supersaturação. A água que desce pelo
vertedouro mergulha fundo. E, quando ela leva ar lá para o fundo, 20 metros de
profundidade, esse ar atmosférico dissolve e você não vê bolhas, é como se
fosse uma água com gás dentro da garrafa sem abrir, você não vê nada. Quando
chega na superfície, essas bolhas vão se juntando e formando bolhas maiores e
visíveis. A principal mortandade ocorre no pé da barragem, no local em que essas
águas supersaturadas se espalham mais”, explicou Angelo Antonio Agostinho,
pesquisador da UEM e um dos autores do estudo. O vertedouro tem a função
descarregar toda a água não utilizada para geração.
O pesquisador relatou que, geralmente, os peixes se acumulam
no pé das barragens porque eles são atraídos pela corrente e sua movimentação
normalmente é contra a corrente. Diante disso, qualquer situação que aconteça
na barragem acaba afetando esses peixes, e a supersaturação é uma delas.
Períodos de seca
A alta mortandade de peixes também pode ser associada ao
fechamento de comportas, que ocorrem, em geral, na estação seca, quando o
reservatório tem redução do nível de água. Mudanças repentinas nesse contexto
afetam a quantidade de água a jusante, o que pode levar à morte de peixes
abaixo da barragem especialmente quando os peixes permanecem presos em
piscinas, sob condições de baixa oxigenação.
“Normalmente acontece essa morte quando eles fecham a
unidade geradora [de energia], baixam a comporta, para poder escoar a água que
tem dentro, geralmente para fazer manutenção. Durante esse fechamento, pode
ficar muito peixe lá dentro e eles consumirem o oxigênio e acabarem morrendo.
Essa é uma maneira que tem morrido muito peixe no Brasil. E a outra maneira é
supersaturação mesmo. Eu atribuo a essas duas as principais fontes de morte de
peixe em barragem no Brasil”, disse.
Avaliação e planejamento
Agostinho afirma que o início do funcionamento de uma usina
hidrelétrica, quando as máquinas estão sendo testadas para garantir que foram
corretamente projetadas, fabricadas, instaladas e operadas, é uma oportunidade
para avaliar se suas características físicas e operacionais estão afetando os
peixes da região.
Uma das ações de mitigação do impacto das águas que descem
pelo vertedouro, apontada no estudo, é a instalação de defletores de fluxo para
redirecionar a água vertida horizontalmente, tornando o jato superficial,
prevenindo que bolhas mergulhem para o fundo da bacia de dissipação, e, dessa
forma, minimizar a supersaturação.
Segundo o pesquisador, um dos objetivos do estudo é
fornecer informações para orientar a tomada de decisões nas vistorias e planejamento
da instalação de novas hidrelétricas a fim de evitar a morte de peixes.
“Os órgãos de controle ambiental devem contemplar, no termo
de referência no processo de licenciamento hidrelétrico, a avaliação dos
impactos ambientais relacionados à operação das estruturas hidráulicas
(vertedouro e turbinas). Deve-se considerar o projeto do vertedouro,
características da bacia de dissipação de energia, além de facilidades para
aeração e acesso aos compartimentos das turbinas”, concluíram os pesquisadores
no artigo.
Além disso, eles apontam que o momento de testes das
estruturas das hidrelétricas para garantir que foram corretamente projetadas,
fabricadas, instaladas e operadas, é uma grande oportunidade para avaliar se
suas características físicas e operacionais têm impacto negativo no conjunto de
peixes da região.
Segundo o pesquisador, se a energia da queda d'água de uma
barragem não é dissipada, outros problemas - como erosão - podem ocorrer. Esse
fator põe em risco a segurança da instalação.
Mas é possível utilizar mecanismos para fazer a dissipação,
afirma. “Isso é possível, tanto que nem todas as usinas têm esse problema hoje.
Itaipu é uma usina enorme e não tem esse problema. Então a supersaturação pode
ser resolvida com cuidados na operação ou pode ser resolvida com mudanças na
estrutura.”
O Ministério de Minas e Energia disse, em nota, que não
pode se posicionar, pois não teve acesso ao estudo citado.
A Agência Brasil procurou o Ministério do Meio Ambiente e
não obteve retorno até a conclusão da reportagem.
Agência Brasil
0 Comentários