Uma revolta equivocada: 70 anos da intentona
comunista
Líder e
exemplo para uma geração, Luis Carlos Prestes era uma nova mentalidade política
e social para a construção de um novo Brasil. Participante do movimento
tenentista contra o governo do presidente Arthur Bernardes (1922/1926), acabou
formando a "Grande Marcha Revolucionária", que se tornaria a
legendária e invicta "Coluna Prestes/Miguel Costa", que ao término de
sua longa caminhada de 25 mil quilômetros, (Astrogildo Pereira, fundador do
PCB, calculou em 30 mil), seus integrantes acabaram internando-se na Bolívia.
A
aproximação de Luis Carlos Prestes com o comunismo ocorreu em fins de 1927,
quando Astrogildo Pereira, secretário-geral do PCB, foi ao seu encontro em
Puerto Suarez, na Bolívia, em nome da Comissão Central Executiva do seu
partido, com uma credencial de jornalista e munido de variada literatura
marxista, a maioria em francês. Foram dois dias de uma longa e demorada
conversa, mas o capitão não aderiu de imediato, segundo ele, "era uma
ideologia que não conhecia".
Astrogildo
deixou os livros e retornou para o Rio, onde escreveu várias matérias sobre seu
encontro com Prestes para o jornal A Esquerda. Em fevereiro de 1928, o líder da
coluna resolveu ir para a Argentina. Prestes pôde ler toda a literatura
marxista e entrar em contato com membros do Partido Comunista Argentino, como
Rodolfo Ghioldi. Interessado, aprofundou seu conhecimento nas teses de Karl
Marx, Engels e Lênin. Vivendo com dificuldades, chegou a ter uma fábrica de
cabo de vassouras, que não dava lucro, e montar uma importadora/exportadora em
Buenos Aires, com a qual negociava café brasileiro.
Com o
golpe militar na Argentina em 1930, Prestes foi preso e "convidado" a
abandonar o país, indo para o Uruguai. Em outubro de 1931, recebeu convite para
trabalhar como engenheiro em Moscou, com passaporte falso seguiu para a Europa.
Durante
quase 4 anos, Prestes ficou na União Soviética, sendo um aluno aplicado, mas
curiosamente, apesar de sua insistência, não conseguiu seu ingresso no Partido
Bolchevique, o que só aconteceria com sua filiação ao PCB em 1934, graças a
Dmitri Manuilsky, do bureau internacional do PCUS. O Komintern, órgão
responsável pela difusão do comunismo pelo mundo, tinha a ambição de vê-lo
implantado no Brasil sob o comando do "Cavaleiro da Esperança". Ainda
em 1934, Prestes, através dos Estados Unidos e pelo Pacífico, retornou para o
Brasil, em companhia de uma agente de origem judia-alemã de nome Olga Benário.
Sua
trajetória estava sendo monitorada pelo serviço secreto inglês, e sua chegada
em terras brasileiras não era um segredo para as autoridades. Com o intuito de
ludibriar, o jornal moscovita Pravda fez publicar uma grande matéria,
insinuando que Prestes estivesse ainda na União Soviética.
Em
junho 1934, Antônio Maciel Bonfim foi eleito secretário-geral do PCB, codinome
Miranda, ex-sargento do Exército. De cultura limitada, era totalmente
desinformado e equivocado em suas ações. Seria responsabilizado, pelos próprios
companheiros, pelo fiasco do golpe de 27 de novembro de 1935.
A ideia
era que o movimento fosse articulado ao mesmo tempo em vários pontos do país,
mas se acabou precipitando, ao receber em Natal, Rio Grande do Norte um
telegrama falso, informando a antecipação para o dia 23. Nessa noite, seis
integrantes do 21º Batalhão de Caçadores desencadearam a revolta. O governador
do Estado, Rafael Fernandes Gurjão, estava no Teatro Carlos Gomes, na colação
dos alunos do Colégio Marista, com diversas autoridades. Informadas dos
acontecimentos, foram obrigadas a fugir, primeiro, para o Consulado da Itália
e, posteriormente, refugiaram-se a bordo de um navio francês que se encontrava
no porto. Várias cidades do interior do Estado aderiram a rebelião.
Na
capital potiguar, foi formado um "Comitê Popular Revolucionário", que
se instalou no palácio do governo com um "ministério" assim
constituído: Lauro Cortês Lago (funcionário público), Interior; Quintino
Clementino de Barros (sargento), Defesa; José Praxedes de Andrade (sapateiro),
Abastecimento; José de Macedo (carteiro), Finanças; João Batista Galvão
(estudante), Viação. O comando do 21º Batalhão de Caçadores foi assumido pelo
cabo Estevão e as tropas federais, no Estado, pelo sargento Eliziel Diniz
Henriques. Uma das primeiras medidas do ministro da Viação, o jovem estudante
Galvão, foi decretar que o transporte público seria gratuito. Ele relembraria
anos mais tarde: "O povo se esbaldou de andar de bonde sem pagar".
Na
realidade a adesão por parte da população foi meramente por farra.
Aproveitando-se da situação, inúmeros abusos foram praticados, como saques e
roubos. Após quatro dias, tropas do Exército, com apoio das policias militares
dos Estados vizinhos, invadiram o Rio Grande do Norte e restabeleceram a ordem
pública.
Na
capital pernambucana, a rebelião aconteceu um dia depois, em 24 de novembro,
aproveitando a ausência do governador do Estado, Carlos Lima Cavalcanti, que se
encontrava em viagem à Alemanha; do comandante da 7ª Região Militar, general
Manuel Rabelo, que estava no Rio de Janeiro e do comandante da Brigada Militar,
capitão Jurandir Bizarria Mamede, que participava das comemorações dos 100 anos
da Revolução Farroupilha no Rio de Grande do Sul.
Na
manhã do domingo, dia 24, um grupo de civis, liderados por um sargento, atacou
a cadeia pública de Olinda. O QG da 7ª RM foi atacado pelo sargento Gregório Bezerra,
em consequência, caiu morto o tenente José Sampaio e ferido o tenente Agnaldo
Oliveira de Almeida; Gregório foi subjugado e preso.
O 29º
Batalhão de Caçadores foi sublevado pelo capitão Otacílio Alves de Lima e pelos
tenentes Lamartine Coutinho e Roberto Besouchet. Apesar de terem conseguido
tomar todo o armamento, houve uma pronta reação do subcomandante da brigada
policial, tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima. No dia seguinte, com a
chegada de reforços de artilharia, o 29º BC sofreu pesado bombardeio,
ocasionando mais de 100 mortos.
Desde
as primeiras notícias vindas do nordeste, as tropas no Rio de Janeiro estavam
em rigorosa prontidão. No dia 26 de novembro, foi aprovado pelo Congresso
Nacional o pedido de estado de sítio por 30 dias. Os líderes da intentona, não
tinham maiores informações sobre o que ocorria em Natal e Recife, muito menos
sobre o fim da rebelião.
O
movimento deveria ocorrer no Rio em várias unidades militares, mas somente
acabou ocorrendo no 3º Regimento de Infantaria, localizado na Praia Vermelha,
bairro da Urca, e na Escola de Aviação do Exército, no subúrbio de Marechal
Hermes, onde também estava situado o 1º Regimento de Aviação. Totalmente
desarticulada, a revolta seria sufocada em poucas horas.
No 3º
R.I., sob o comando do capitão Agildo Barata Ribeiro (pai do humorista),
eclodiu uma revolta durante a madrugada, havendo forte reação dos legalistas.
Durante o confronto, diversos oficiais e soldados caíram mortos. Os rebelados
acabaram ficando confinados no prédio. O solicitado reforço de artilharia
pesada, não tardou a chegar, e o velho prédio do Regimento sofreu violento
bombardeio, e, em consequência, foi preso pelas chamas.
Na
Escola de Aviação Militar, o tenente-coronel Eduardo Gomes tinha deixado parte
da tropa de sobreaviso para qualquer eventualidade. Ainda de madrugada, os
revoltosos atacaram o 1º Regimento de Aviação, do Campo dos Afonsos, ferindo
Gomes na mão com um tiro de fuzil. Mas ele conseguiu isolar-se no prédio do
comando, de onde pode se comunicar com o palácio do Catete e com o ministério
da Guerra e informar seus superiores dos acontecimentos.
A
artilharia da Vila Militar abriu fogo contra os rebeldes, enquanto era
aguardada a chegada dos reforços. Após forte fuzilaria, alguns insurgentes
foram presos e outros se evadiram após terem sido expulsos da Escola de Aviação
pelas tropas leais ao governo. No final, havia nove mortos do contingente
legalista a lamentar, sendo três oficiais e seis soldados.
Às 4 hs
da madrugada, o presidente Getúlio Vargas foi acordado no Palácio Guanabara e
informado que uma rebelião de cunho comunista havia estourado na capital do
país. Pelo telefone, acompanhou a marcha dos acontecimentos, não satisfeito foi
de automóvel ao 3º R.I. na Praia Vermelha, mas não pode se aproximar em face
das trocas de tiros. De lá, foi ao ministério da Guerra, no centro da cidade,
para inteirar-se das ações militares. Quando retornava ao palácio, resolveu
seguir para o Campo dos Afonsos, apesar do perigo e da argumentação contraria
de sua assessoria militar; no caminho, cruzou com soldados rebelados em fuga,
sendo desarmados pelos oficiais da comitiva presidencial. No local, pôde
observar o estrago causado pelo tiroteio.
Às
13:20 horas, de 27 de novembro de 1935, após deixar 24 mortos entre as tropas
leais, os rebeldes hastearam bandeiras brancas em sinal de rendição. De braços
dados, tendo à frente o capitão Agildo, alguns até sorrindo, todos os
insurgentes, 1.500 homens, saíram do prédio destroçado e fumegante do 3º
Regimento de Infantaria e caminharam para a prisão.
*Antônio
Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador.
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