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ESCRAVIDÃO NO BRASIL


Quadro de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) retratando o interior de um navio negreiro

ESCRAVIDÃO NO BRASIL
TRÁFICO E COMÉRCIO DE ESCRAVOS
Não se pode ignorar que o tráfico de negros da África para o Brasil decorreu do processo de colonização portuguesa iniciado na segunda metade do século XV. O modelo econômico baseado na monocultura e extratividade, com utilização de mão-de-obra escrava, caracterizava as colonizações da época, mas nem por isso deixa de ser visto como desumano e absurdo.
O tráfico de escravos da África para o Brasil, por menos que se queira, faz parte da nossa história. Mesmo que se tente esquecer ou esconder - como fez Rui Barbosa quando mandou queimar a documentação existente sobre escravidão no Brasil - não se pode ignorar sua existência. Conhecer o tráfico e o comércio de escravos no Brasil é entender um pouco a importante contribuição dos africanos na formação da cultura brasileira.
A maior parte dos escravos que aportavam inicialmente no Brasil provinha das colônias portuguesas na África. Eram negros capturados nas guerras tribais e negociados com os traficantes em troca de produtos como a aguardente, fumo e outros. O tráfico de escravos não era exclusividade dos portugueses, pois ingleses, holandeses, espanhóis e até norte-americanos se beneficiavam desse comércio, que era altamente lucrativo. Os riscos dessa atividade estavam nos perigos dos oceanos e nas doenças que algumas vezes chegavam a dizimar um terço dos escravos transportados.
Os portos que recebiam maior número de escravos no Brasil eram Salvador, Rio de Janeiro e Recife; desses portos os escravos eram transportados aos mais diversos locais do Brasil. Algumas outras cidades recebiam escravos vindos diretamente da África, como Belém, São Luís, Santos, Campos e outras. A proporção de desembarque de escravos em cada porto variou ao longo de 380 anos de escravidão, dependendo do aquecimento da atividade econômica na região servida pelo porto em questão. Durante o ciclo áureo da cana-de-açúcar do Nordeste, os portos de Recife e Salvador recebiam o maior número de escravos, mas, durante o ciclo do ouro em Minas Gerais, coube ao Rio de Janeiro receber o maior número de escravos.
A venda dos escravos vindos da África era feita em praça pública, através de leilões, mas o comércio de negros não se restringia à venda do produto do tráfico. Transações comerciais com escravos eram comuns. Neste site são exibidos documentos que registram as mais variadas transações com o escravo, como se fosse um produto qualquer comerciável.
As relações comerciais internas envolvendo escravos acentuavam-se em momentos específicos do processo escravocrata. Com o declínio da produção de cana-de-açúcar no Nordeste, por exemplo, muitos proprietários de escravos venderam parte de seu plantel para o Sudeste, principalmente, para o Rio de Janeiro e São Paulo, áreas de produção de café, que passou a ser o produto mais importante da balança comercial brasileira.
O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
No Brasil colonial, praticamente, todo o trabalho era escravo. O braço negro esteve sempre presente em todas as áreas e setores de atividades. Nas lavouras, nos serviços domésticos e urbanos foi a força de trabalho fundamental para a economia brasileira. O escravo era habitualmente chamado "os pés e as mãos" do senhor e da senhora, todos os brancos, exceto os mais pobres, dependiam deles.
Os negros dos diversos locais da África que aqui chegavam eram levados imediatamente ao mercado de escravos, onde eram vendidos para aqueles que fizessem a maior oferta. Desse modo, membros de uma mesma família ou de uma mesma tribo de separavam, aumentando ainda mais sua revolta. Os movimentos dos cativos contra o sistema escravocrata eram constantes. Suicídios, inclusive os coletivos, privando o senhor de seu investimento; homicídios praticados contra os brancos e as fugas eram maneiras de demonstrar sua rebeldia. Os quilombos, verdadeiras cidades de escravos fugidos, instaladas em locais de difícil acesso, também foram uma alternativa para se livrarem da opressão dos senhores brancos.
Podem-se distinguir dois tipos de trabalho escravo com características próprias: o produtivo, nas lavouras ou nas minas, e o doméstico. O primeiro, quer no campo, quer nas minas, era um trabalho árduo que ia da aurora ao escurecer. Segundo Charles R. Boxer, a vida média desses escravos era estimada entre sete e dez anos de trabalho; os demais trabalhavam na casa de seus senhores como criados de quarto, amas de crianças, mucamas, cozinheiras, costureiras, etc.
Subdividindo ainda mais esses setores de atuação do trabalho escravo, verifica-se que no espaço urbano destacou-se o trabalho dos escravos de ganho e também dos escravos de aluguel. Esses últimos, como o próprio nome diz, eram alugados por seu senhor a terceiros, normalmente eram aqueles que realizavam, com propriedade, algum ofício como carpinteiros, sapateiros e cozinheiros. E os de ganho, eram os que iam pelas ruas a fim de prestar serviços ocasionais e que deviam, ao fim do dia, entregar a seus senhores uma quantia previamente fixada. Neste caso, o proprietário se desobrigava de atender às necessidades básicas do escravo, na medida em que este dispunha de seu tempo com maior liberdade.
RESISTÊNCIA NEGRA À ESCRAVIDÃO
A historiografia conservadora, que valoriza os heróis como únicos responsáveis pelos grandes feitos da humanidade, enaltece a Princesa Isabel como a redentora dos negros, a libertadora e ignora todo o processo conjuntural e estrutural que a levou a assinar, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea.
A partir da segunda metade do século XIX cresceram os movimentos abolicionistas, que passaram a pressionar cada vez mais o governo em busca de uma extinção definitiva da escravatura. As pressões internacionais, principalmente dos ingleses, também eram grandes, e os próprios negros passaram a se rebelar contra a situação com maior frequência.
O Quilombo de Palmares, no século XVII, em Alagoas, tornou-se uma referência na história da resistência dos negros à escravidão. Até hoje, quando se fala em resistência negra à escravidão se é induzido a pensar em Zumbi dos Palmares e no quilombo que ele liderou. Mas esse famoso quilombo não foi o único a existir, muito pelo contrário, eles multiplicaram-se pelo Brasil como forma de organização de resistência dos negros fugidos do trabalho escravo.
Num dos artigos do periódico Aurora Fluminense, exigia-se que o governo fosse mais incisivo na ação contra os quilombos existentes nas cercanias da Corte. O artigo enumerou alguns acampamentos de negros fugidos existentes então. As providências exigidas não eram meros discursos retóricos da imprensa conservadora, tratava-se de uma questão de sobrevivência econômica para alguns. Em fins do século XIX, manter seus escravos era de extrema necessidade para alguns fazendeiros, pois o fim do tráfico e a promulgação da Lei do Ventre Livre limitavam a manutenção do número de escravos à compra através do tráfico interno, que se tornara muito caro com a diminuição da oferta.
Documentos mostram que a fuga e os quilombos não eram as únicas formas de resistência dos negros perante a escravidão: rebeliões, assassinatos, suicídios, revoltas organizadas também fizeram parte da história da escravidão no Brasil.
Das revoltas históricas, a mais conhecida foi a dos Malês, em Salvador. Essa revolta foi tão significativa que na correspondência de pessoas importantes da Corte, no século XIX, constantes do acervo da Biblioteca Nacional, há diversas menções a ela. Havia o medo de que novas revoltas como aquela transformassem o Brasil numa "anarquia." Os Malês, como se sabe eram um grupo étnico numeroso, já islamizado, que tinha capacidade de se organizar até mesmo nas senzalas.
CULTURA AFRO-BRASILEIRA
O sincretismo é, sem sombra de dúvida, a marca da cultura do Brasil. Uma cultura forjada com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no período da escravidão; das nações indígenas que habitavam este território antes da chegada dos portugueses; dos portugueses e demais europeus que migraram para este país; de japoneses, chineses, árabes, uma cultura, enfim, que é síntese das contribuições dos muitos povos que escolheram este território para viver.
O historiador Francisco Adolfo Varnhagen fez questão de ressaltar a importância do índio e do negro nos trabalhos historiográficos, por sua contribuição para a constituição da cultura brasileira. Gilberto Freire, por sua vez, compreendeu a importância dessa contribuição e, em seu livro Casa grande e senzala, discute pela primeira vez no Brasil a importância do negro na construção do país.
A riqueza da contribuição cultural africana na formação da cultura brasileira fica patente nas manifestações populares no Brasil. Essa contribuição se mostra na religião, no batuque do samba, na capoeira, na culinária, na moda, na língua; está em todo arcabouço cultural brasileiro. A esses elementos trazidos pelos negros escravos e adaptados por eles ao meio que encontraram no Brasil chama-se "cultura afro-brasileira."
ACORDOS INTERNACIONAIS E LEGISLAÇÃO SOBRE ESCRAVIDÃO
No século XIX houve muita pressão da Inglaterra para que se desse fim à escravidão no Brasil. Os objetivos dos ingleses eram de caráter econômico, o capitalismo se consolidava na Inglaterra e também no restante da Europa. Não se aceitava a escravidão como forma de trabalho, pois o escravo não recebia salário e, portanto, não podia comprar qualquer tipo de produto. Havia também, tanto na Europa, quanto no Brasil, os ideais iluministas herdados da Revolução Francesa que havia proclamado a igualdade de todos os homens. Por outro lado, não interessava à Inglaterra que os produtos brasileiros competissem com os de suas colônias. Seja por razões econômicas, seja pela força dos movimentos pelos direitos humanos, o fato é que a Inglaterra, país com o qual o Brasil mantinha suas maiores relações comerciais, passou a pressionar sistematicamente o governo brasileiro para que extinguisse o tráfico de escravos e a escravidão.
Por considerá-lo prejudiciais a seus interesses comerciais, ainda na primeira década do século XIX, os ingleses começaram a investir contra o tráfico, afundando navios negreiros como se fossem navios piratas. Com os protestos de várias nações, a Inglaterra, que acumulava um poder econômico muito relevante naquele tempo, resolveu partir para uma ofensiva diplomática, forçando estados mais fracos economicamente a assinar acordos que objetivavam o fim do tráfico.
O Brasil passou a ser bastante pressionado. Antes mesmo da independência brasileira, o Rei de Portugal, Brasil e Algarves, D. João VI, assinou o primeiro tratado internacional com o objetivo de diminuir paulatinamente o tráfico de escravos para o Brasil. O tratado assinado em 22 de janeiro de 1815 proibia que aportassem em terras brasileiras os navios negreiros provenientes das partes da costa africana que ficassem ao norte da linha do Equador. Depois desse primeiro acordo, outros foram assinados. Em 1826, o Império do Brasil e o governo britânico assinaram outro documento estendendo a proibição do tráfico a todos os navios negreiros vindos da África. Esses acordos não eram completamente respeitados pelo Império, o tráfico, ilegal em teoria, continuava sem a repressão do governo imperial.
Diante do não cumprimento dos tratados pelo Império e com a alegação de que era impossível fiscalizar todo o nosso litoral, o governo britânico propôs novos acordos que autorizavam a marinha britânica a apreender em águas internacionais navios de bandeira brasileira utilizados no tráfico. Esse acordo foi muito contestado no Brasil, principalmente depois da primeira apreensão de navio brasileiro pelos ingleses. Na realidade, isso representava desrespeito à soberania brasileira.
Em 1845, a Câmara dos Lordes aprovou a Bill Aberdeen, que autorizava a marinha inglesa a afundar os navios que transportavam escravos como se fossem navios piratas. A lei baseava-se em acordos internacionais assinados.
A pressão sobre o Brasil aumentou, a atividade do tráfico passou a ter um risco econômico muito alto, muitos traficantes passaram a investir em outras áreas. Diante do esvaziamento dessa atividade motivado pela Bill Aberdeen, em 1850, o Império do Brasil proibiu que navios negreiros aportassem no Brasil. Com o fim do tráfico, o baixo crescimento vegetativo da população escrava no Brasil e o alto custo do tráfico interno, a escravidão estava fadada a acabar. Vários projetos surgiram para que acontecesse uma abolição paulatina.
Em 28 de setembro de 1871 o Visconde do Rio Branco apresentou projeto de Lei do Elemento Servil, que mais tarde ficou conhecida como Lei do Ventre Livre. A lei ia muito além de dar liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data, regulamentava o castigo físico, criava o direito do escravo, entre outras medidas. Era o Império colocando em prática o projeto de abolição paulatina.
Outras leis foram sendo promulgadas com o intuito de atender aos movimentos abolicionistas, à resistência dos escravos e às pressões internacionais. Em 1885, promulgou-se a conhecida Lei dos Sexagenários, libertando todos os escravos com mais de sessenta anos. Havia poucos escravos acima dessa idade. A expectativa de vida do escravo era muito baixa, mas a Lei dos Sexagenários atingiu o caráter de marco histórico, pois fortaleceu o movimento abolicionista.
As pressões se tornaram insuportáveis para o Império; os movimentos abolicionistas cresciam vertiginosamente; as rebeliões de escravos contra seus donos eram cada vez mais comuns. Foi nessa conjuntura que a Princesa Isabel, Regente do Império na ausência de D. Pedro II, assinou com uma pena de ouro, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, que abolia a escravidão no Brasil.
Fonte: BNDigital 

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