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HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL: 500 ANOS EM 5 PONTOS


Torcedores do Bafana Bafana, como é conhecida a seleção da África do Sul, assistem ao jogo de abertura da Copa do Mundo (Foto: Marcello Casal Jr | Agência Brasil)
HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL: 500 ANOS EM 5 PONTOS
Escrito por Pâmela Morais /Portal Politize!
Aposto que você conhece um pouquinho da África do Sul. Sabe que o país foi sede da Copa do Mundo de 2010 e que foi lar de um importante líder político, Nelson Mandela. Entretanto, esses fatos não são suficientes para entender a importância sul-africana no cenário internacional. Além de ser um Estado que influencia as relações no continente africano, a África do Sul vem aumentando sua visibilidade mundial, seja por meio do BRICS ou pelo fato de o presidente Zuma ter deixado o cargo no início de 2018 por conta de denúncias de corrupção.
Como o país tem uma história muito rica e é impossível explicar toda ela de forma rápida, o Politize! separou 5 fatos essenciais para você entender os últimos 500 anos na África do Sul. Vamos lá?
1. COLONIZAÇÃO DA ÁFRICA DO SUL
É importante relembrar que os territórios africanos – e americanos – já eram habitados antes da chegada dos europeus. Os povos nativos eram muitos e cada um tinha um sistema de organização e de crenças rico, o que faz os estudos de períodos pré-coloniais interessantes e relevantes. Entretanto, como mencionado, é impossível abordar toda a história da África do Sul. Por conta disso, partiremos do período de colonização, o qual impactou e ainda impacta o modo de vida sul-africano.
Estima-se que o navegador português Bartolomeu Dias deu a volta no Cabo da Boa Esperança em 1488. Já em 1497, Vasco da Gama teria descoberto ser possível chegar à Índia contornando o sul da África. Na época, o objetivo principal dos europeus, especialmente dos portugueses, era buscar especiarias na Índia – como cravo, canela e noz-moscada – para que fossem comercializadas na Europa. Por conta disso, não houve ocupação do território africano em um primeiro momento. Só no século XVII holandeses, alemães e franceses começaram a se estabelecer na região. Essa ocupação ocorreu pelo fato de a Cidade do Cabo ser um porto conveniente para quem fazia a rota Ocidente-Oriente. Nesse momento, houve confronto entre holandeses e o povo Khoikhoi, vencido pelos europeus, que estabeleceram colônias no local.
Quando os holandeses fecharam a Companhia das Índias, em 1795, os ingleses tomaram controle da região do Cabo. Nesse processo, outra tribo local – os Xhosa – foi violentamente expulsa. Além de ser um ponto geográfico estratégico, os europeus descobriram minas de pedras preciosas na África do Sul, como o diamante. Esse novo interesse levou à expansão do território dominado pelos ingleses.
Escravidão
Entre os séculos XVI e XIX, estima-se que mais de 10 milhões de africanos foram escravizados e enviados à América e ao Caribe para trabalhar nas colônias do “Novo Mundo”. Desse total, quase a metade – 4,8 milhões – teve o Brasil como destino. Para ter uma melhor noção da intensidade do fluxo de escravizados vindos para o continente americano, Andrew Kahn – jornalista da revista Slate – elaborou um mapa interativo. Clicando aqui, você tem acesso à animação que mostra o tráfego de navios negreiros que partiram da África para a América entre 1583 e 1860.
Conferência de Berlim (1884-85)
No final do século XIX, a Segunda Revolução Industrial (1850-1945) chegou ao seu auge e levou as principais potências europeias a uma corrida imperialista com objetivo de tomar controle da África. Os colonizadores viam o continente como uma fonte de matéria-prima e novos mercados e disputavam entre si para obter o maior domínio possível da região. Isso piorou as rivalidades entre Estados europeus e, como saída, os países envolvidos na “corrida” realizaram a Conferência de Berlim, entre 1884 e 1885.
A discussão levou à criação de um acordo de partilha da África. Sem consultar as populações nativas do continente, os europeus traçaram fronteiras e definiram qual país poderia tomar conta de qual região. Na foto a seguir, as linhas retas que até hoje demarcam as áreas dos Estados africanos mostram que os europeus não levaram em conta os territórios dos nativos. Assim, o tratado afastou povos amigos e incentivou conflitos entre rivais como uma estratégia de dominação que desviou a atenção dos africanos, enfraquecendo a resistência contra a ocupação europeia.
2. INDEPENDÊNCIA E APARTHEID NA ÁFRICA DO SUL
Tecnicamente, o período colonial na África do Sul acabou em 1910, quando os ingleses fundaram a União da África do Sul. Diz-se “tecnicamente” porque o território continuou sob o domínio do Império Britânico. Em 1931, a União tornou-se independente da metrópole por meio do Estatuto de Westminster. O documento, elaborado pelo Parlamento do Reino Unido, concedeu aos seus domínios independentes a posição de igualdade em relação a outros domínios do Império Britânico e ao próprio Reino Unido.
Em 1961 aconteceu a proclamação da república e a saída da África do Sul da Commonwealth. Essa decisão foi tomada em um referendo, no qual só a comunidade branca do país votou, já que desde 1938 vigorava o apartheid no país. O Politize! já falou neste texto sobre o regime segregacionista racial, que teve fim apenas em 1994. Nesse mesmo ano foram realizadas as primeiras eleições multirraciais da África do Sul – nas quais negros e brancos votaram –, acabando por eleger Nelson Mandela, do partido Congresso Nacional Africano (CNA), como presidente.
3. GOVERNO MANDELA: CINCO ANOS E MUITAS MISSÕES
Ao assumir a liderança da África do Sul (1994-1999), o primeiro presidente negro do país teve como tarefa fazer com que o fim legal do apartheid se estendesse à realidade. Uma de suas principais missões era a reconciliação do país. Anos de apartheid enraizaram mágoas e noções de superioridade na população, o que Mandela precisava buscar superar. Um passo simbólico para essa conquista foi a realização da Copa do Mundo de Rúgbi na África do Sul, em 1995. A seleção nacional, até então detestada pela maioria dos sul-africanos por ser formada por jogadores brancos, recebeu apoio do presidente, que incentivou que os cidadãos negros também o fizessem. Os Springboks – nome pelo qual o time é conhecido – acabou vencendo a competição e recebendo o troféu das mãos do próprio Nelson Mandela.
Outra ação que visava a reconciliação nacional foi a formação de uma Comissão da Verdade. Criada para investigar crimes, culpar transgressores e buscar compensar vítimas de alguma maneira, a Comissão da Verdade da África do Sul ouviu mais de 20 mil pessoas entre 1996 e 1998. Mesmo sendo considerada referência mundial pela Comunidade Internacional, a Comissão é alvo de críticas, já que muitas das vítimas do apartheid nunca conseguiram uma compensação pelo sofrido durante o regime segregacionista. Marjorie Jobson, diretora do Grupo de Apoio Khulumani afirma que a Comissão não conseguiu indenizar ou restaurar a dignidade das vítimas do apartheid.
Uma nova Constituição
Em dezembro de 1996, o presidente Mandela aprovou uma nova Constituição, que passou a valer em fevereiro de 1997. O documento foi reconhecido como progressista, por garantir direitos baseados em democracia, justiça social e direitos humanos fundamentais. Assim, direitos como a igualdade racial e de gênero, voto universal e um sistema eleitoral multipartidário, tal como à liberdade de expressão e associação foram especificados no texto. Um detalhe significativo da nova Constituição foi o reconhecimento de 10 línguas nativas como oficiais, além do inglês, uma forma de reconhecer o valor dos povos originais da região.
Reformas sociais também foram feitas, umas já iniciadas antes da nova Constituição, e outras depois. Por exemplo, a partir de 1994 todas as crianças menores de seis anos e mulheres grávidas passaram a ter acesso gratuito à saúde pública. Em 1996, essa medida foi estendida a todos aqueles que precisavam de atendimentos primários na área da saúde. Além disso, em 1996 já foi iniciado um aumento de 13% nos gastos sociais, crescimento que continuou nos anos posteriores.
Crise econômica
Além de problemas sociais, como a desigualdade, Mandela teve que lidar com questões econômicas durante seu governo. Desde 1962, a Comunidade Internacional vinha impondo sanções sobre o país por meio de restrições às exportações e boicote aos produtos sul-africanos. A pressão aumentou em 1977 – quando foi decretada a proibição da venda de armas ao país – e em 1979 a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou um embargo à venda de petróleo à África do Sul.
Alguns avanços foram conquistados nessa esfera. O déficit orçamentário do país, que em 1997 era de 8%, passou à 1,5% em 2004. Com o fim das sanções internacionais, retiradas quando o apartheid acabou, a porcentagem de bens produzidos na África do Sul direcionados à exportação passou de 10%, em 1994, para quase 25% em 2000. Esse e outros dados explicam o fato de a África do Sul ser a maior economia do continente, o que a levou a integrar o BRICS.
Críticas ao governo Mandela
Apesar de Nelson Mandela ser uma figura adorada internacionalmente, seu governo não esteve imune a críticas. Em entrevista ao The New York Times, traduzida pelo Estadão, Zakes Mda – escritor sul-africano – falou sobre algumas delas. Mda afirmou que:
Com a corrupção galopante da elite governante atual e o fato de que muito pouco mudou para a maioria das pessoas negras, a euforia [por conta de uma Constituição progressista] foi substituída pela desilusão. A nova ordem que Mandela ajudou a criar, prossegue esse raciocínio, não mudou fundamentalmente os arranjos econômicos no país. Ela traria prosperidade, mas a distribuição dessa prosperidade pendeu a favor do establishment branco e sua nova elite negra dependente.
O escritor se refere ao fato de que o enriquecimento do país não foi distribuído entre a população. Atualmente, o país tem uma taxa de desemprego de quase 27% e vive em uma profunda desigualdade social que coloca a África do Sul entre os países com maior concentração de renda do mundo. Essa realidade frustrou boa parte da população que esperava melhorias mais significativas com a aprovação da Constituição. Expectativas não atendidas levaram uma parte do país – pequena, mas que vem crescendo – a criticar o governo Mandela. Esse grupo é majoritariamente formado por jovens universitários, que enfrentam a dificuldade em arranjar empregos e melhorar suas condições de vida.
4. GOVERNO ZUMA E A CORRUPÇÃO
Em fevereiro de 2018, o quarto presidente da África do Sul renunciou seu cargo. Jacob Zuma, que havia sido eleito para um primeiro mandato em 2009 e reeleito em 2014, participou ativamente da luta contra o apartheid. Desde antes de virar presidente, Zuma tinha seu nome relacionado a acusações, como a de ter estuprado a filha de um amigo de família, em 2005, e ter aceitado suborno de uma empresa francesa, em 2006. Como Zuma foi absolvido de essas e outras acusações, conseguiu se eleger em 2009.
O ex-presidente acabou cedendo à pressão de seu partido – o CNA, que elegeu todos os presidentes desde o fim do apartheid – para renunciar. Ao encarar mais de 790 acusações de corrupção, Zuma foi um dos principais responsáveis pela queda de popularidade do partido. Entre os crimes cometidos pelo político, um dos que mais repercutiu nacional e internacionalmente foi o uso de cerca de 15 milhões de dólares do dinheiro público para reformar sua casa privada.
Jacob Zuma deixou seu cargo em um momento crítico da África do Sul. O país, que cresceu economicamente na primeira década dos anos 2000 – sob o governo de Thabo Mbeki –, fechou 2017 com uma taxa de desemprego de 27,7% – número que, entre jovens de 18 a 25 anos, atinge 66%.
5. DESAFIOS PARA O PRÓXIMO GOVERNO           
Com a saída de Zuma, Cyril Ramaphosa – até então vice-presidente, também vinculado ao CNA – assumiu o cargo com a missão de, em suas palavras, “fazer tudo o que fosse possível para sanar a economia”. Além disso, Ramaphosa deve buscar reestruturar seu partido, tendo em mente as eleições em 2019. A força do CNA já vinha diminuindo nos últimos anos. Em 2016, o partido perdeu o governo de duas cidades importantes sul-africanas, Pretoria e Nelson Mandela Bay. Com a saída de Zuma do poder, divergências internas abalaram ainda mais o partido.
De forma a recuperar a credibilidade do CNA, Ramaphosa deve investigar mais afundo acusações de corrupção. Outra tática é buscar combater a desigualdade econômica racial, já que cerca de 90% da riqueza do país concentra-se nas mãos de 10% da população, sendo a maioria desses ricos brancos.
Eleições em 2019
Para Richard Pithouse, professor do Instituto Wits de Pesquisa Social e Econômica, de Johannesburgo, Ramaphosa “não poderá salvar o país, e nem mesmo o próprio partido, porque o senso de redenção que o CNA trouxe à história sul-africana (com a luta antiapartheid) não poderá ser restaurado”. Essa declaração, dada ao diário “Mail and Guardian”, foi feita mesmo considerando o apoio que Ramaphosa recebe do mercado, da classe média e daqueles cansados das acusações de corrupção sobre Zuma.
Cheryl Hendricks, professora da Universidade de Johannesburgo, pensa de forma semelhante. Ela afirma que a África do Sul precisa de uma nova liderança para entender as mudanças que precisam ser feitas em Estados pós-coloniais, os quais têm uma inclinação “a modos não democráticos de governança”. Para a professora, heranças coloniais de Estados dos continentes africano e americanos, por exemplo, prejudicam uma democracia efetiva nesses países.
Entendeu como os acontecimentos na África do Sul são complexos? Prova disso são os casos de corrupção que levaram à queda de Zuma, os quais não são apenas frutos de um mau governo, mas – como Hendricks destaca – podem ser traçados de volta à colonização do país. O fato de algo acontecido há mais de 500 anos ainda impactar as sociedades levanta diversas questões sobre como os governos devem agir para garantir uma democracia justa à população. As perguntas são muitas, e várias delas são difíceis de responder, mas o Politize! tem a missão de te ajudar a encontrar essas respostas.
Fonte: politize!

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