Marco legal do saneamento básico gera críticas do setor e está sendo analisado por agentes reguladores - Marcello Casal Jr/ Arquivo/Agência Brasil
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marco legal do saneamento gera polêmica no setor
Assinada pelo Planalto no dia 6 e
publicada no Diário Oficial da União (DOU) na última segunda-feira (9), a
Medida Provisória (MP) nº 844 que atualiza o marco legal do saneamento básico
gerou polêmica no setor e ainda está sendo analisada pelos agentes reguladores.
Os representantes de associações
municipais criticam a medida, por considerá-la “privatizante”, enquanto
representantes do setor produtivo a apoiam. A própria Agência Nacional de Águas
(ANA), órgão ao qual foi atribuída competência de editar normas nacionais para
o serviço de saneamento básico, responsabilidade que era do Ministério das
Cidades, informou que não se manifestará porque sua diretoria, com apoio do
corpo técnico, “ainda está avaliando as alterações propostas pela Medida
Provisória 844”.
Entre os principais críticos da MP está a
Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). O
presidente da entidade, Aparecido Hojaji, afirmou em entrevista à Agência
Brasil que considera a medida um retrocesso por privilegiar o setor privado de
saneamento e a livre concorrência, em detrimento do acesso aos serviços
públicos. A Casa Civil, que coordenou durante dois anos o grupo de trabalho sobre
saneamento, do qual a Assemae participou, discorda dessa avaliação.
Hojaji diz que a Assemae não é contrária à
revisão da Lei 11.445/2007, que dispõe sobre as condições estruturais do
saneamento básico, mas defende que as alterações deveriam ser feitas por meio
de um Projeto de Lei encaminhado ao Congresso, com participação dos
parlamentares, entidades e trabalhadores ligados ao saneamento. Segundo ele, a
MP não contemplou as reivindicações dos serviços municipais.
Por outro lado, a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) se manifestou em defesa da MP por avaliar que ela aprimora a
expansão da participação privada no setor. “Na avaliação do setor produtivo, o
texto apresentado pelo governo propiciará o aumento dos investimentos em
saneamento, hoje insuficientes”, diz a nota divulgada pela CNI. A entidade diz
ainda que apoiará a MP no Congresso Nacional e pretende contribuir para que o
Legislativo “aprove o melhor texto possível para a sociedade e o setor
produtivo”.
Visões
distintas
A Assemae, que representa cerca de dois
mil municípios, participou de reuniões no Ministério das Cidades e na Casa
Civil ao lado da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento
(Aesbe) e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes)
durante o ano de 2017 para discutir as mudanças no setor.
Chefe da Assessoria Especial da Casa Civil
e uma das responsáveis pela elaboração do texto da medida provisória, Martha
Seillier sustenta que a MP não tem por objetivo privatizar o setor de
saneamento nem retirar a competência das prefeituras, mas sim, ampliar a
concorrência entre as empresas públicas e privadas, mantendo uma regulação
forte por parte da ANA para impedir abusos nos preços e assegurar a manutenção
da qualidade do serviço.
“Agora que o governo passa por uma
situação fiscal complexa e que não vai se resolver logo, a gente precisa de uma
solução que traga investimentos adicionais. Esse não é um setor que dependa só
de investimentos públicos. As empresas cobram tarifa. Claro que isso é atraente
para empresas privadas. Elas podem prestar o serviço a preços módicos se elas
forem reguladas e se o Poder Público fiscalizar a qualidade do serviço”,
afirma.
As entidades municipais consideram que, ao
atribuir à ANA a responsabilidade pela instituição de normas de referência para
o setor, a medida dificulta o acesso dos municípios aos recursos federais.
Outra crítica é que a primazia dos municípios na prestação de serviços de
saneamento básico será afetada pela necessidade de licitação quando houver mais
de um interessado na prestação dos serviços.
Para a Assemae, os municípios menos
rentáveis ficarão desassistidos, uma vez que a iniciativa privada tende a se
interessar apenas pelas cidades que dispõem de mais recursos, enquanto as
companhias estaduais e municipais terão de se responsabilizar pelas regiões
menos atraentes economicamente.
Para o presidente da entidade, Aparecido
Hojaji, a titularidade do município também é afetada com a extinção da
exigência dos Planos Municipais de Saneamento Básico, bastando um Estudo
Técnico de Viabilidade para a prestação desse serviço.
Martha Seillier rebate as críticas de que
a MP retira a competência dos municípios na prestação de serviços de
saneamento. Para ela, é justamente o contrário: a medida ajuda as prefeituras
de menor porte a se ajustar aos padrões da ANA.
“As prefeituras menos preparadas podem
aderir às metas estabelecidas pelo governo federal. Em vez de serem obrigadas a
constituir uma agência reguladora própria e capacitar servidores. Além disso,
vários municípios poderão se juntar para centralizar o tratamento de esgoto ou
de lixo. Algo que hoje só existe em algumas regiões metropolitanas”, defende.
Sobre a troca dos Planos Municipais de
Saneamento Básico por Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica para
viabilizar projetos de água, lixo e esgoto, Seillier considera que a exigência
dos planos atualmente representa um entrave para os investimentos no setor.
“Atualmente, só um terço dos municípios
brasileiros têm planos municipais. Se considerarmos planos atualizados, são
pouquíssimos. Então por que não pegar um estudo técnico feito por um banco
público que vai financiar um projeto bom para a população e usá-lo para validar
o contrato?”, questiona.
Em nota, a Associação Brasileira das
Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) também afirma que a medida “afetará os
municípios mais pobres, que serão excluídos dos investimentos em abastecimento
de água e esgotamento sanitário, além de provocar um aumento da tarifa
decorrente do fim do subsídio cruzado”.
Em relação ao argumento de que a MP reduz
os subsídios cruzados de companhias estaduais que usam os recursos na
exploração de municípios mais ricos para custearem o serviço em localidades
mais pobres, a assessora da Casa Civil diz que esse argumento não se verifica
na prática. Ela ressalta que, no Brasil, a maioria das companhias privadas de
saneamento opera em municípios de pequeno porte.
Mudança
gradual
Martha Seillier afirma que as mudanças não
serão imediatas e só serão sentidas gradualmente pelo consumidor, à medida que
os novos contratos de água e de saneamento básico entrarem em vigor.
“Tudo o que foi contratado antes da norma
está valendo. Só os novos contratos vão ter de provar que estão seguindo as
regras. No caso de uma norma de qualidade da água, se o município pedir
recursos ao governo federal para um projeto, vamos pedir uma cláusula no
contrato dizendo que a qualidade terá de observar o padrão exigido”,
acrescenta.
Após ser analisada por uma Comissão Mista,
a MP segue para votação no Plenário da Câmara dos Deputados e depois para
votação no Senado.
Procurado, o Ministério das Cidades não se
manifestou até a publicação da reportagem.
Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br
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