EDUCAÇÃO
FÍSICA
A Educação Física é o componente
curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de
codificação e significação social, entendidas como manifestações das
possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais
no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre
inserido no âmbito da cultura e não se limita a um deslocamento espaço-temporal
de um segmento corporal ou de um corpo todo.
Nas aulas, as práticas corporais devem ser
abordadas como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensional,
singular e contraditório. Desse modo, é possível assegurar aos alunos a (re)construção
de um conjunto de conhecimentos que permitam ampliar sua consciência a respeito
de seus movimentos e dos recursos para o cuidado de si e dos outros e
desenvolver autonomia para apropriação e utilização da cultura corporal de
movimento em diversas finalidades humanas, favorecendo sua participação de forma
confiante e autoral na sociedade.
É fundamental frisar que a Educação Física
oferece uma série de possibilidades para enriquecer a experiência das crianças,
jovens e adultos na Educação Básica, permitindo o acesso a um vasto universo cultural.
Esse universo compreende saberes corporais, experiências estéticas, emotivas,
lúdicas e agonistas, que se inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade
típica dos saberes científicos que, comumente, orienta as práticas pedagógicas
na escola. Experimentar e analisar as diferentes formas de expressão que não se
alicerçam apenas nessa racionalidade é uma das potencialidades desse componente
na Educação Básica. Para além da vivência, a experiência efetiva das práticas
corporais oportuniza aos alunos participar, de forma autônoma, em contextos de
lazer e saúde.
Há três elementos fundamentais comuns às práticas corporais: movimento corporal como elemento
essencial; organização interna (de
maior ou menor grau), pautada por uma lógica específica; e produto cultural vinculado com o lazer/entretenimento e/ou o cuidado
com o corpo e a saúde.
Portanto, entende-se que essas práticas
corporais são aquelas realizadas fora das obrigações laborais, domésticas,
higiênicas e religiosas, nas quais os sujeitos se envolvem
em função de propósitos específicos, sem caráter instrumental.
Cada prática corporal propicia ao sujeito
o acesso a uma dimensão de conhecimentos e de experiências aos quais ele não
teria de outro modo. A vivência da prática é uma forma de gerar um tipo de conhecimento
muito particular e insubstituível e, para que ela seja significativa, é preciso
problematizar, desnaturalizar e evidenciar a multiplicidade de sentidos e
significados que os grupos sociais conferem às diferentes manifestações da
cultura corporal de movimento. Logo, as práticas corporais são textos culturais
passíveis de leitura e produção.
Esse modo de entender a Educação Física
permite articulá-la à área de Linguagens, resguardadas as singularidades de
cada um dos seus componentes, conforme reafirmado nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental de Nove Anos (Resolução CNE/CEB nº 7/2010)37.
Na BNCC, cada uma das práticas corporais
tematizadas compõe uma das seis unidades
temáticas abordadas ao longo do Ensino Fundamental. Cabe destacar que a
categorização apresentada não tem pretensões de universalidade, pois se trata
de um entendimento possível, entre outros, sobre as denominações das (e as
fronteiras entre as) manifestações culturais tematizadas na Educação Física
escolar. A unidade temática Brincadeiras e jogos explora aquelas atividades voluntárias
exercidas dentro de determinados limites de tempo e espaço, caracterizadas pela
criação e alteração de regras, pela obediência de cada participante ao que foi
combinado coletivamente, bem como pela apreciação do ato de brincar em si.
Essas práticas não possuem um conjunto estável de regras e, portanto, ainda que
possam ser reconhecidos jogos similares em diferentes épocas e partes do mundo,
esses são recriados, constantemente, pelos diversos grupos culturais. Mesmo
assim, é possível reconhecer que um conjunto grande dessas brincadeiras e jogos
é difundido por meio de redes de sociabilidade informais, o que permite
denominá-los populares.
É importante fazer uma distinção entre
jogo como conteúdo específico e jogo como ferramenta auxiliar de ensino. Não é
raro que, no campo educacional, jogos e brincadeiras sejam inventados com o
objetivo de provocar interações sociais específicas entre seus participantes ou
para fixar determinados conhecimentos. O jogo, nesse sentido, é entendido como
meio para se aprender outra coisa, como no jogo dos “10 passes” quando usado
para ensinar retenção coletiva da posse de bola, concepção não adotada na
organização dos conhecimentos de Educação Física na BNCC. Neste documento, as
brincadeiras e os jogos têm valor em si e precisam ser organizados para ser
estudados. São igualmente relevantes os jogos e as brincadeiras presentes na
memória dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, que trazem consigo
formas de conviver, oportunizando o reconhecimento de seus valores e formas de
viver em diferentes contextos ambientais e socioculturais brasileiros.
Por sua vez, a unidade temática Esportes
reúne tanto as manifestações mais formais dessa prática quanto as derivadas. O
esporte como uma das práticas mais conhecidas da contemporaneidade, por sua
grande presença nos meios de comunicação, caracteriza-se por ser orientado pela
comparação de um determinado desempenho entre indivíduos ou grupos
(adversários), regido por um conjunto de regras formais, institucionalizadas
por organizações (associações, federações e confederações esportivas), as quais
definem as normas de disputa e promovem o desenvolvimento das modalidades em
todos os níveis de competição. No entanto, essas características não possuem um
único sentido ou somente um significado entre aqueles que o praticam,
especialmente quando o esporte é realizado no contexto do lazer, da educação e
da saúde. Como toda prática social, o esporte é passível de recriação por quem
se envolve com ele.
As práticas derivadas dos esportes mantêm,
essencialmente, suas características formais de regulação das ações, mas
adaptam as demais normas institucionais aos interesses dos participantes, às características
do espaço, ao número de jogadores, ao material disponível etc. Isso permite
afirmar, por exemplo, que, em um jogo de dois contra dois em uma cesta de
basquetebol, os participantes estão jogando basquetebol, mesmo não sendo
obedecidos os 50 artigos que integram o regulamento oficial da modalidade.
Para a estruturação dessa unidade
temática, é utilizado um modelo de classificação baseado na lógica interna,
tendo como referência os critérios de cooperação, interação com o adversário,
desempenho motor e objetivos táticos da ação. Esse modelo possibilita a
distribuição das modalidades esportivas em categorias, privilegiando as ações
motoras intrínsecas, reunindo esportes que apresentam exigências motrizes
semelhantes no desenvolvimento de suas práticas. Assim, são apresentadas sete
categorias de esportes (note-se que as modalidades citadas na descrição das
categorias servem apenas para facilitar a compreensão do que caracteriza cada
uma das categorias. Portanto, não são prescrições das modalidades a ser
obrigatoriamente tematizadas na escola):
As ginásticas de conscientização corporal
reúnem práticas que empregam movimentos suaves e lentos, tal como a recorrência
a posturas ou à conscientização de exercícios respiratórios, voltados para a
obtenção de uma melhor percepção sobre o próprio corpo. Algumas dessas práticas
que constituem esse grupo têm origem em práticas corporais milenares da cultura
oriental.
Por sua vez, a unidade temática Danças explora o conjunto das práticas
corporais caracterizadas por movimentos rítmicos, organizados em passos e
evoluções específicas, muitas vezes também integradas a coreografias. As danças
podem ser realizadas de forma individual, em duplas ou em grupos, sendo essas
duas últimas as formas mais comuns. Diferentes de outras práticas corporais
rítmico-expressivas, elas se desenvolvem em codificações particulares, historicamente
constituídas, que permitem identificar movimentos e ritmos musicais peculiares
associados a cada uma delas.
A unidade temática Lutas focaliza as disputas corporais, nas quais os participantes
empregam técnicas, táticas e estratégias específicas para imobilizar,
desequilibrar, atingir ou excluir o oponente de um determinado espaço,
combinando ações de ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário. Dessa
forma, além das lutas presentes no contexto comunitário e regional, podem ser
tratadas lutas brasileiras (capoeira, huka-huka, luta marajoara etc.), bem como
lutas de diversos países do mundo (judô, aikido, jiu-jítsu, muay thai, boxe,
chinese boxing, esgrima, kendo etc.).
Por fim, na unidade temática Práticas corporais de aventura,
exploram-se expressões e formas de experimentação corporal centradas nas
perícias e proezas provocadas pelas situações de imprevisibilidade que se
apresentam quando o praticante interage com um ambiente desafiador. Algumas
dessas práticas costumam receber outras denominações, como esportes de risco,
esportes alternativos e esportes extremos. Assim como as demais práticas, elas são
objeto também de diferentes classificações, conforme o critério que se utilize.
Neste documento, optou-se por diferenciá-las com base no ambiente de que
necessitam para ser realizadas: na natureza e urbanas. As práticas de aventura
na natureza se caracterizam por explorar as incertezas que o ambiente físico
cria para o praticante na geração da vertigem e do risco controlado, como em corrida
orientada, corrida de aventura, corridas de mountain bike, rapel, tirolesa,
arborismo etc. Já as práticas de aventura urbanas exploram a “paisagem de
cimento” para produzir essas condições (vertigem e risco controlado) durante a
prática de parkour, skate, patins, bike etc.
Em princípio, todas as práticas corporais
podem ser objeto do trabalho pedagógico em qualquer etapa e modalidade de
ensino. Ainda assim, alguns critérios de progressão
do conhecimento devem ser atendidos, tais como os elementos específicos das
diferentes práticas corporais, as características dos sujeitos e os contextos
de atuação, sinalizando tendências de organização dos conhecimentos. Na BNCC,
as unidades temáticas de Brincadeiras e
jogos, Danças e Lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme
a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais
familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e
mundial). Em Ginásticas, a
organização dos objetos de conhecimento se dá com base na diversidade dessas
práticas e nas suas características. Em Esportes,
a abordagem recai sobre a sua tipologia (modelo de classificação), enquanto Práticas corporais de aventura se
estrutura nas vertentes urbana e na natureza.
Ainda que não tenham sido apresentadas
como uma das práticas corporais organizadoras da Educação Física na BNCC, é
importante sublinhar a necessidade e a pertinência dos estudantes do País terem
a oportunidade de experimentar práticas corporais no meio líquido, dado seu
inegável valor para a segurança pessoal e seu potencial de fruição durante o
lazer. Essa afirmação não se vincula apenas à ideia de vivenciar e/ou aprender,
por exemplo, os esportes aquáticos (em especial, a natação em seus quatro
estilos competitivos), mas também à proposta de experimentar “atividades aquáticas”.
São, portanto, práticas centradas na ambientação dos estudantes ao meio líquido
que permitem aprender, entre outros movimentos básicos, o controle da
respiração, a flutuação em equilíbrio, a imersão e os deslocamentos na água.
Ressalta-se que as práticas corporais na
escola devem ser reconstruídas com base em sua função social e suas
possibilidades materiais. Isso significa dizer que as mesmas podem ser
transformadas no interior da escola. Por exemplo, as práticas corporais de aventura
devem ser adaptadas às condições da escola, ocorrendo de maneira simulada,
tomando-se como referência o cenário de cada contexto escolar.
É importante salientar que a organização
das unidades temáticas se baseia na compreensão de que o caráter lúdico está
presente em todas as práticas corporais, ainda que essa não seja a finalidade da
Educação Física na escola. Ao brincar, dançar, jogar, praticar esportes,
ginásticas ou atividades de aventura, para além da ludicidade, os estudantes se
apropriam das lógicas intrínsecas (regras, códigos, rituais, sistemáticas de
funcionamento, organização, táticas etc.) a essas manifestações, assim como
trocam entre si e com a sociedade as representações e os significados que lhes são
atribuídos. Por essa razão, a delimitação das habilidades privilegia oito dimensões de conhecimento:
• Experimentação:
refere-se à dimensão do conhecimento que se origina pela vivência das práticas
corporais, pelo envolvimento corporal na realização das mesmas. São
conhecimentos que não podem ser acessados sem passar pela vivência corporal,
sem que sejam efetivamente experimentados. Trata-se de uma possibilidade única
de apreender as manifestações culturais tematizadas pela Educação Física e do
estudante se perceber como sujeito “de carne e osso”. Faz parte dessa dimensão,
além do imprescindível acesso à experiência, cuidar para que as sensações
geradas no momento da realização de uma determinada vivência sejam positivas ou,
pelo menos, não sejam desagradáveis a ponto de gerar rejeição à prática em si.
• Uso
e apropriação: refere-se ao conhecimento que possibilita ao estudante ter
condições de realizar de forma autônoma uma determinada prática corporal.
Trata-se do mesmo tipo de conhecimento gerado pela experimentação (saber
fazer), mas dele se diferencia por possibilitar ao estudante a competência
necessária para potencializar o seu envolvimento com práticas corporais no
lazer ou para a saúde. Diz respeito àquele rol de conhecimentos que viabilizam
a prática efetiva das manifestações da cultura corporal de movimento não só
durante as aulas, como também para além delas.
• Fruição:
implica a apreciação estética das experiências sensíveis geradas pelas
vivências corporais, bem como das diferentes práticas corporais oriundas das
mais diversas épocas, lugares e grupos. Essa dimensão está vinculada com a
apropriação de um conjunto de conhecimentos que permita ao estudante desfrutar da
realização de uma determinada prática corporal e/ou apreciar essa e outras
tantas quando realizadas por outros.
• Reflexão
sobre a ação: refere-se aos conhecimentos originados na observação e na análise
das próprias vivências corporais e daquelas realizadas por outros. Vai além da
reflexão espontânea, gerada em toda experiência corporal. Trata-se de um ato
intencional, orientado a formular e empregar estratégias de observação e
análise para: (a) resolver desafios peculiares à prática realizada; (b)
apreender novas modalidades; e (c) adequar as práticas aos interesses e às
possibilidades próprios e aos das pessoas com quem compartilha a sua
realização.
• Construção
de valores: vincula-se aos conhecimentos originados em discussões e
vivências no contexto da tematização das práticas corporais, que possibilitam a
aprendizagem de valores e normas voltadas ao exercício da cidadania em prol de
uma sociedade democrática. A produção e partilha de atitudes, normas e valores
(positivos e negativos) são inerentes a qualquer processo de socialização. No
entanto, essa dimensão está diretamente associada ao ato intencional de ensino
e de aprendizagem e, portanto, demanda intervenção pedagógica orientada para
tal fim. Por esse motivo, a BNCC se concentra mais especificamente na
construção de valores relativos ao respeito às diferenças e no combate aos
preconceitos de qualquer natureza. Ainda assim, não se pretende propor o
tratamento apenas desses valores, ou fazê-lo só em determinadas etapas do
componente, mas assegurar a superação de estereótipos e preconceitos expressos
nas práticas corporais.
• Análise:
está associada aos conceitos necessários para entender as características e o
funcionamento das práticas corporais (saber sobre). Essa dimensão reúne
conhecimentos como a classificação dos esportes, os sistemas táticos de uma modalidade,
o efeito de determinado exercício físico no desenvolvimento de uma capacidade
física, entre outros.
• Compreensão:
está também associada ao conhecimento conceitual, mas, diferentemente da
dimensão anterior, refere-se ao esclarecimento do processo de inserção das
práticas corporais no contexto sociocultural, reunindo saberes que possibilitam
compreender o lugar das práticas corporais no mundo. Em linhas gerais, essa
dimensão está relacionada a temas que permitem aos estudantes interpretar as
manifestações da cultura corporal de movimento em relação às dimensões éticas e
estéticas, à época e à sociedade que as gerou e as modificou, às razões da sua
produção e transformação e à vinculação local, nacional e global. Por exemplo,
pelo estudo das condições que permitem o surgimento de uma determinada prática
corporal em uma dada região e época ou os motivos pelos quais os esportes
praticados por homens têm uma visibilidade e um tratamento midiático diferente
dos esportes praticados por mulheres.
• Protagonismo
comunitário: refere-se às atitudes/ações e conhecimentos necessários
para os estudantes participarem de forma confiante e autoral em decisões e
ações orientadas a democratizar o acesso das pessoas às práticas corporais,
tomando como referência valores favoráveis à convivência social. Contempla a reflexão
sobre as possibilidades que eles e a comunidade têm (ou não) de acessar uma
determinada prática no lugar em que moram, os recursos disponíveis (públicos e
privados) para tal, os agentes envolvidos nessa configuração, entre outros, bem
como as iniciativas que se dirigem para ambientes além da sala de aula, orientadas
a interferir no contexto em busca da materialização dos direitos sociais
vinculados a esse universo.
Vale ressaltar que não há nenhuma
hierarquia entre essas dimensões, tampouco uma ordem necessária para o
desenvolvimento do trabalho no âmbito didático. Cada uma delas exige diferentes
abordagens e graus de complexidade para que se tornem relevantes e
significativas.
Considerando as características dos
conhecimentos e das experiências próprias da Educação Física, é importante que
cada dimensão seja sempre abordada de modo integrado com as outras, levando-se
em conta sua natureza vivencial, experiencial e subjetiva. Assim, não é
possível operar como se as dimensões pudessem ser tratadas de forma isolada ou
sobreposta.
Cumpre destacar que os critérios de
organização das habilidades na BNCC (com a explicitação dos objetos de
conhecimento aos quais se relacionam e do agrupamento desses objetos em
unidades temáticas) expressam um arranjo possível (dentre outros). Portanto, os
agrupamentos propostos não devem ser tomados como modelo obrigatório para o
desenho dos currículos.
Considerando esses pressupostos, e em
articulação com as competências gerais da Educação Básica e as competências
específicas da área de Linguagens, o componente curricular de Educação Física
deve garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas.
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