Chico Mendes e sua esposa Ilsamar Mendes
Chico
Mendes (1944-1988)
Neide
Esterci*
As lutas dos povos tradicionais geraram
grandes líderes, que se tornaram conhecidos em função de sua grandeza, do
contexto em que viveram, das alianças que fizeram e da repercussão que tiveram
suas ações. Chico Mendes é apenas um exemplo – ele foi um grande líder dos
seringueiros.
Nasceu em 1944, numa família nordestina
que migrou para trabalhar nos seringais do Acre. Aos nove anos, começou a
aprender com o pai o ofício de cortar seringa. Não é uma tarefa fácil. Os
talhos têm que ser suficientemente profundos, para deixar escorrer o látex, e
delicados o bastante para não danificar as árvores, pois a cada ano, no tempo
certo, elas são cortadas de novo. Os seringueiros dependem delas para seu sustento
e têm cuidado mas, na época em que Chico Mendes era pequeno, havia também a
vigilância dos patrões. Eles queriam os cortes bem feitos porque do trabalho
dos seringueiros e do bom estado das árvores dependiam os lucros que almejavam.
Aos 11 anos, Chico já conhecia os segredos da floresta.
Ele, porém, almejava também outros
mundos e outros saberes. A primeira chance aconteceu em 1962 e sua vida, lá do
interior do seringal, começou a se cruzar com a história do País e com as lutas
dos trabalhadores.
Perto do seringal onde vivia, na
fronteira com a Bolívia, morava um rapaz de vinte e poucos anos, vindo da
cidade. Euclides Fernando Távora fora oficial do Exército e havia aderido à
Coluna Prestes. Quando esta foi derrotada, o jovem oficial foi preso, fugiu e
se refugiou na Bolívia. Lá também foi perseguido e acabou nos seringais do
Acre. Com ele, Chico aprendeu a ler nos jornais que vinham ele não sabia de
onde. Dele recebeu também um rádio através do qual passou a ouvir os noticiários
internacionais em português difundidos pela Central de Moscou, pela BBC de
Londres e pela Voz da América. Tinha assim, versões diferentes do que se passava
no Brasil e no mundo e as discutia com Euclides. Foi assim que ficou sabendo do
golpe militar de 1964 e aprendeu sobre a importância da organização e dos sindicatos
para os trabalhadores.
Em 1965, Euclides adoeceu, foi para a
cidade a procura de médico e nunca mais se soube dele. Chico confessa que ficou
meio perdido – tinha dezenove anos, mas logo começou a organizar os
seringueiros. Primeiro era um trabalho isolado. Ajudava os seringueiros a
burlarem a regra de só vender aos patrões com os quais ficavam sempre
endividados porque eles cobravam muito caro pelas mercadorias que os seringueiros
precisavam.
Perseguição
Chico queria a autonomia dos
seringueiros e os ajudava a vender direto para os marreteiros. Logo, no
entanto, outros seringueiros os denunciaram e ele teve que parar. Formou então
um grupo de alfabetização – mas o prefeito e o padre o acusaram de estar fazendo
agitação e ele teve que passar quase dois anos escondido para não ser preso.
Em 1975, Chico ouviu falar que estava
chegando uma comissão da Confederação nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), para dar um curso de sindicalismo em Brasiléia. “Lembrei
da recomendação do Euclides e fui para lá. E deu certo, pois como ele tinha me
ensinado muita coisa... acabei sendo eleito secretário geral do sindicato.” Com
Wilson Pinheiro, Chico aprendeu a organizar os famosos empates – uma barreira
de homens, mulheres e crianças que, pacificamente, se opunha à derrubada das
matas – e conseguiu impedir que fossem desmatados muitos hectares (ha) de
floresta no Acre. Por participarem dos empates, os seringueiros e seus líderes
foram várias vezes presos e espancados.
Wilson Pinheiro foi assassinado em 1980.
Chico testemunhou ainda a morte de outros companheiros seus, como Ivair Higino,
que trabalhava nas comunidades de base e no sindicato e ousou candidatar-se ao
cargo de vereador, contrariando os políticos locais aliados dos fazendeiros.
Chico também foi muito perseguido e, em 1980, teve que passar três meses se
escondendo. No início de 1987, já tinha sofrido vários atentados.
Chico não desprezava nenhuma forma de
organização. Assim como trabalhou nas comunidades eclesiais de base, junto à
Igreja Católica, prosseguiu na luta sindical, mas ligou-se à Central Única dos
Trabalhadores (CUT), trabalhou na criação do Conselho nacional dos Seringueiros
(CnS) e do Partido dos Trabalhadores (PT).
Ambientalista
Com
a mesma disposição, conversou com os ambientalistas. Aprendeu o que era
ecologia e avaliou, junto com seus companheiros, que aquela luta era do interesse
deles também. Foi convidado por entidades ambientalistas americanas e chegou a
Miami em abril de 1987 para explicar o quanto o dinheiro dos bancos estava
sendo usado em obras e empreendimentos que destruíam as florestas. Os
financiamentos chegaram a ser suspensos, mas Chico Mendes e seus aliados tinham
claro que a preservação da floresta teria que ser compatível com o atendimento
das necessidades dos seus moradores e costumavam dizer: “queremos a Amazônia
preservada mas queremos também que seja economicamente viável.”
Buscava
compatibilizar os objetivos ambientalistas com as demandas das populações
locais. Quando surgiu a ideia de criarem as reservas extrativistas, os líderes
seringueiros decidiram que a terra não seria dividida – seria propriedade da União
com a garantia de usufruto para os seringueiros. Esta seria a “reforma agrária
dos seringueiros”. Se a terra fosse dividida em lotes, haveria dificuldades.
Por um lado, porque a estrada de seringa, que um pai de família percorre todo
dia, fica dentro de uma área que deve ter entre 300 e 600 ha de extensão. Um
lote dessas dimensões seria muito maior que o previsto pelo Incra. Por outro
lado, havia a preocupação de que os lotes pudessem ser vendidos e a terra
pudesse ser repassada aos grandes proprietários. Mantinham assim o formato dos
antigos seringais e colocações, só que agora sob o controle dos próprios
seringueiros.
Chico
foi assassinado, no dia 22 de dezembro de 1988, e tudo isto já estava posto.
Mas, foi somente em 1990, no clima instaurado pela comoção internacional causada
pela sua própria morte e pela expectativa gerada em torno da realização da
Rio-92, que a criação das primeiras reservas foi decretada: a Reserva Extrativista
Chico Mendes e a Reserva Extrativista do Alto Juruá, ambas no Acre, com
respectivamente 1.500 e 500 há de extensão.
Fonte: Almanaque Brasil Socioambiental (2008)
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